Existe uma mania recorrente no Marketing: acreditar que todo novo canal ou toda nova campanha muda o jogo da aquisição. A cada trimestre surge uma tese salvadora. A cada ciclo, um novo painel, uma nova métrica, uma nova forma de atribuição tenta convencer o mercado de que descobrimos um atalho para CAC baixo. E, como quase sempre, acabamos descobrindo que nada mudou de fato. Mudou o rótulo, não mudou a economia.
No último mês, vivi algo bem diferente disso.
Lançamos no Magalu o WhatsApp da Lu, a primeira experiência de compra do varejo em que todo o processo – recomendação, escolha, pagamento e pós-venda – acontece dentro do WhatsApp. Não é um chatbot mais simpático. Não é uma automação de fluxo. É outra coisa: um canal de venda completo dentro da conversa, capaz de recomendar um produto a partir de um áudio, validar intenção, apresentar alternativas, receber pagamento por Pix ou cartão e acompanhar a entrega. E tudo isso sem tirar o cliente do lugar onde ele já passa boa parte do dia.
Vou ser sincero: produtos assim costumam vir acompanhados de exageros. É comum ver times defendendo que algo desse tipo “derruba o CAC”, “multiplica conversão” ou “transforma o Marketing da água pro vinho”. Só que, na maior parte dos casos, qualquer ganho aparente evapora quando medimos direito. Os dados até sugerem melhora, mas, quando testamos, percebemos que o comportamento de fundo do cliente é o mesmo. A conversão teria vindo de qualquer forma. A experiência só ficou mais bonita.

Aqui, não foi isso que aconteceu.
O que me chamou atenção, e que motivou este artigo, é como o WhatsApp da Lu altera a estrutura econômica de aquisição de um jeito mensurável. Não porque ele gera mais cliques – ele não foi criado para isso. Não porque ele cria uma nova atribuição milagrosa – fiz questão de evitar exatamente esse erro. Ele muda CAC e LTV porque mexe nos mecanismos, não no relatório: reduz fricção, encurta jornada, aumenta precisão da recomendação e devolve para a empresa um tipo de relação que o varejo perdeu ao se tornar digital.
Quando você combina 98% de penetração do WhatsApp, um catálogo de mais de 37 milhões de anúncios e um sistema capaz de entender voz, texto e imagem, você desloca o cliente para um ambiente onde a compra deixa de ser uma navegação e passa a ser uma conversa. Parece detalhe, mas não é. A diferença entre pedir um mouse na busca e pedir “eu preciso de um mouse confortável para trabalhar 10 horas por dia” abre espaço para um tipo de venda que o app tradicional não consegue oferecer. Esse é o ponto que influencia o CAC: a chance de acertar de primeira.
Mas aqui vale uma pausa importante. Há um risco grande de interpretar isso como mágica. Não é. Nenhuma IA, por melhor que seja, resolve os problemas de aquisição de uma empresa se a operação estiver desalinhada. Se o sortimento está inconsistente, se o preço não está competitivo, se o prazo está ruim, não existe assistente capaz de contornar esse buraco. E se você muda a conversa mas mantém a experiência ruim, o efeito no CAC dura semanas e desaparece. Os clientes simplesmente aprendem que a promessa não se cumpre.
O que fez diferença no nosso caso não foi a tecnologia sozinha. Foi a capacidade de orquestrar sistemas de recomendação, busca, catálogo, pagamento e logística dentro de uma única interação contínua. O impacto aparece justamente porque o atrito some. E quando o atrito desaparece, a dependência do último clique diminui. Clientes recorrentes passam a comprar por conveniência, não por estímulo pago. E, quando isso acontece, o CAC cai não porque você gastou menos, mas porque o cliente volta mais vezes por conta própria.
Outra consequência aparece no LTV. Não porque “IA aumenta LTV” – essa é uma frase vazia – mas porque clientes que descobrem um canal rápido, íntimo e prático tendem a retornar. Eles sentem que existe alguém – mesmo que digital – que os entende. O custo de trazer esse cliente na próxima compra cai, e o valor total dele cresce. Não é sutileza. É mecânica básica de comportamento.
Mas vou fazer aqui um contraponto que considero essencial: esse tipo de produto cria dependências novas. Ele exige modelos bons, exige qualidade de áudio, exige estabilidade de sistemas, exige sincronização fina entre recomendação e estoque. Se qualquer uma dessas pontas falhar, você cria uma frustração proporcional ao nível de expectativa. E, ao contrário de uma navegação fria no app, frustração numa conversa tende a ser mais forte. Precisamos ter clareza de que uma experiência conversacional joga tanto a favor quanto contra.
E ainda há uma incerteza estrutural importante: a adoção em larga escala. A primeira fase foi lançada para um milhão de clientes que já compram bastante. Isso cria uma base estável de comportamento, mas também cria o risco de superestimar o efeito em grupos menos engajados. Quando abrirmos para 30 milhões, será natural observar heterogeneidade de uso. O desafio será medir essa heterogeneidade com rigor, sem deixar o entusiasmo guiar conclusões. O risco de confundir crescimento orgânico com efeito causal é exatamente o mesmo que denunciei nos meus textos anteriores.
Apesar desses cuidados, acredito que estamos diante de uma inflexão rara. Não porque colocamos IA em mais um canal, mas porque mudamos a forma como o cliente compra. E, quando o comportamento muda, o CAC muda junto. Não de maneira repentina, não em curvas perfeitas, mas de um jeito persistente, construído transação a transação.
Se existe uma lição aqui para o mercado, é a seguinte: não é o rótulo “IA” que transforma a economia de aquisição. O que transforma é remover atrito, melhorar precisão e criar um canal em que o cliente sinta que consegue resolver o que precisa com menos esforço. Isso não só reduz CAC; cria uma vantagem competitiva difícil de imitar, porque não nasce de uma campanha, mas de uma mudança na estrutura da experiência.
No fim do dia, tecnologia não melhora métricas. Comportamento melhora métricas. E se conseguimos construir algo que realmente altera comportamento, então estamos, finalmente, diante de uma inovação que vale mensurar — e não só anunciar.
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