Nos últimos meses, o Corinthians trabalhou arduamente para se tornar um dos maiores cases de comunicação esportiva do Brasil e do mundo. Em meio a uma fase intensa nos campos e fora deles, o clube alvinegro apostou na reinvenção da sua estratégia digital. O resultado foi histórico: no dia da conquista do Paulistão 2025, nenhuma outra equipe no planeta teve tanto engajamento nas redes quanto o Timão: 26,7 milhões de interações, 194 milhões de visualizações, 25,2 milhões de curtidas e reações, 208 mil comentários e 1,3 milhão de compartilhamentos em um único dia.
Por trás desse feito, estão decisões que envolvem escuta ativa da torcida, nova linguagem visual, investimento em bastidores e uma aliança decisiva com a agência PUB. “A torcida não se via no que era postado. Sentia distância. Reclamava da estética. Não compartilhava com orgulho”, resume Ricardo Bonatelli, CEO da PUB, que liderou o diagnóstico e redesenho da presença digital do clube.
A transformação foi profunda: o Corinthians deixou de falar para a torcida e passou a falar com ela. Com mais preto e branco, clareza tipográfica e valorização de bastidores, a nova comunicação criou pertencimento. E colheu resultados: mais compartilhamentos, menos rejeição e picos inéditos de tempo de tela e repercussão.

Segundo Thiago Maranhão, superintendente de comunicação do Corinthians, a mudança teve como ponto de partida uma verdade simples, mas poderosa: “O maior patrimônio do Corinthians é a sua torcida”. A reformulação passou por todas as frentes — do tom de voz à fotografia, da programação da Corinthians TV ao humor nas redes. Um modelo que inspira não só o futebol, mas qualquer marca que queira construir relevância cultural, e não apenas audiência.
Confira a entrevista na íntegra com Thiago Maranhão e Ricardo Bonatelli.
Mundo do Marketing – Qual foi o principal insight que guiou a transformação da comunicação do Corinthians nos últimos meses?
Thiago Maranhão: O maior patrimônio do Corinthians é a sua torcida. Essa é uma verdade desgastada pelo uso recorrente, mas nem por isso menos verdadeira. E toda comunicação do Clube tem que ser no sentido de dar voz ao torcedor, de aproximar ainda mais clube e torcida. Isso precisa estar refletido no tom de voz, na linguagem visual, nas trilhas sonoras, nas tendências e, claro, representar a imensa diversidade que é a Fiel Torcida.
Mundo do Marketing – Como a estratégia de conteúdo para o Paulistão 2025 foi planejada? Quais pilares orientaram as decisões?
Thiago Maranhão: O Corinthians vinha de um período sem títulos, mas ao mesmo tempo embalado por um desempenho incrível na reta final da temporada 2024, com recordes de público e uma ligação fortíssima com o elenco. Foi em cima disso que planejamos o conteúdo e a comunicação, dando ao Paulistão o peso histórico que o torneio tem para o clube. O resultado, impulsionado pela conquista do campeonato, foi um engajamento recorde. No dia do título, nenhum outro clube no mundo teve tanto engajamento quanto o Corinthians.

Mundo do Marketing – Quais formatos de conteúdo e plataformas tiveram papeis mais importantes no pico de engajamento?
Thiago Maranhão: Temos linguagens diferentes em cada plataforma, com mais leveza e humor no X e no TikTok, onde brincamos com algumas trends, com design renovado e muitos vídeos de bastidores no Instagram e temos os conteúdos mais elaborados na Corinthians TV, nosso canal no Youtube. Em todos, nossa comunidade é extremamente engajada, é uma troca intensa e valiosa.
Mundo do Marketing – De que maneira a cultura e a identidade do Corinthians foram traduzidas nas ações digitais?
Thiago Maranhão: O maior exemplo foi a ação com Rodrigo Garro, que assumiu a camisa 8. Fizemos uma ação de comunicação e Marketing, com a participação da torcida, valorizando a história da camisa que foi de Sócrates, Basílio, Rincón e outros grandes ídolos do clube. Aproveitamos para lançar produtos da linha “Agarro la Ocho”, que foi um sucesso de vendas. Mas principalmente, um case de sucesso para a valorização da história do clube e importância do atleta. Sempre com a participação do torcedor.
Mundo do Marketing – Como foi o processo de trabalho entre o clube e a PUB? O que mudou no modelo de criação e aprovação de conteúdo?
Thiago Maranhão: Essa é uma parceria que integra todas as etapas da comunicação. Foi com a PUB que criamos a nova identidade visual das nossas redes, abrimos canais de comunicação novos e começamos a chamar atenção de veículos como o Mundo do Marketing, furando a bolha do futebol e ampliando nossa comunidade e fortalecendo a reputação da comunicação esportiva, como um todo.
Mundo do Marketing – Que aprendizados esse case trouxe para a comunicação do Corinthians e será utilizada daqui para frente?
Thiago Maranhão: Para fazer comunicação de um clube de futebol, é preciso coragem e muita conexão com sua comunidade e com as tendências do mercado. A PUB ajudou a trazer cases de clubes europeus e de outros setores do mercado, tudo contribuiu para ampliar nossa visão para lançar algumas tendências entre os clubes de futebol.
Mundo do Marketing – Há planos para transformar essa força digital em novos produtos ou modelos de monetização?
Thiago Maranhão: Estamos sempre buscando oportunidades para ampliar a oferta de produtos que oferecemos para a Fiel Torcida nas nossas redes e na Corinthians TV. Por exemplo, temos planos de renovar o formato do nosso podcast semanal, o PoropoPOD. Mas claro que algumas ideias dependem de parcerias e patrocínios, mas estão prontas!

Mundo do Marketing – Como vocês pretendem manter o alto nível de engajamento?
Thiago Maranhão: A Fiel Torcida tem a característica de estar junto do Corinthians nas fases boas e nas adversidades, o que é uma força incrível. Para não perder isso, temos que estar sempre ajustados no tom de voz, na postura, para sempre manter essa relação honesta de troca com nosso torcedor.
Que conselho você daria para aqueles que querem construir uma comunidade tão engajada?
Thiago Maranhão: Claro que nem todo canal de comunicação terá uma comunidade do tamanho de uma torcida de futebol como o Corinthians, porém algumas verdades continuam valendo. Para começar, encontrar o tom de voz certo para cada comunidade, encontrar a identidade visual que melhor represente aquele grupo e ter uma troca sincera e constante, para crescer junto.
Mundo do Marketing – Como foi o diagnóstico inicial que a PUB fez sobre a comunicação do Corinthians? O que precisava mudar?
Ricardo Bonatelli: O diagnóstico partiu de um olhar cruzado entre análise técnica e sensibilidade cultural. A PUB identificou que a comunicação do Corinthians tinha presença, mas não pulsava. Existia volume de conteúdo, mas faltava ritmo narrativo, clareza visual e, principalmente, pertencimento. A torcida não se via no que era postado. Sentia distância. Reclamava da estética. Não compartilhava com orgulho.
A identidade visual estava genérica, carregada demais, com baixa legibilidade. Faltava preto e branco, faltava alma. Cada peça parecia tentar competir com a torcida, e não conversar com ela. O que precisava mudar era a lógica: sair da comunicação como vitrine e entrar na comunicação como espelho.

Mundo do Marketing – Qual foi a principal aposta criativa para alcançar resultados tão expressivos?
Ricardo Bonatelli: A principal aposta foi tratar cada jogo como um capítulo de uma grande história e não como uma peça solta de divulgação. A Corinthians TV foi estruturada para funcionar como uma produtora de conteúdo de cultura, não apenas de futebol.
Investiu-se no bastidor, no som ambiente, nas vozes reais, no vestiário, no grito antes do jogo e no silêncio depois da derrota. Isso transformou a percepção da torcida: deixou de ser conteúdo do clube, passou a ser conteúdo dela.
Além disso, a reconstrução da identidade visual, com base em um novo sistema estético inspirado no preto e branco, na fotografia documental e na clareza, foi uma das viradas mais impactantes. A torcida percebeu, reagiu, aprovou.
Mundo do Marketing – Que tipo de dados e análises foram usados para desenhar a estratégia de conteúdo?
Ricardo Bonatelli: Foi uma combinação entre leitura de dados de performance (retenção, cliques, engajamento, comentários, compartilhamentos) e análise qualitativa das reações emocionais da torcida, tanto nos canais oficiais quanto nos espaços paralelos (Twitter, WhatsApp, grupos, fóruns).
A PUB também fez mapeamento de momentos de maior impacto emocional nos jogos (gol, confusão, cântico, fala de jogador), e cruzou isso com padrões de consumo de vídeo para construir roteiros mais aderentes ao comportamento da Fiel.
No campo visual, estudamos o tempo de leitura dos cards, a densidade de elementos que funcionavam melhor em cada rede, e testamos padrões cromáticos e tipográficos. O novo sistema foi testado em pequenas entregas antes de ser consolidado.

Mundo do Marketing – Vocês buscaram referências internacionais ou criaram um modelo único para o clube?
Ricardo Bonatelli: Sim, buscamos referências globais, e muitas! Arsenal, Manchester City, Juventus, PSG e até franquias da NBA foram analisadas em termos de conteúdo, narrativa, design e bastidor. Também olhamos para fora do esporte: A24, documentários como The Last Dance, realities como Drive to Survive. Mas a entrega foi 100% corinthiana. Porque o Corinthians exige um filtro cultural. É um clube popular, de alma quente, de conflito, drama e ressurreição. O que funciona em Londres não necessariamente funciona em Itaquera. A PUB traduziu essas referências para um modelo original, com estética local, ritmo brasileiro e nervo corinthiano.
Mundo do Marketing – Qual foi o papel da tecnologia, IA e automação na execução da estratégia?
Ricardo Bonatelli: A IA foi usada como aliada e nunca como protagonista. Ela ajudou com cortes automáticos, transcrição, legendas, marcação de momentos importantes, sugestão de thumbnails e distribuição programada. Isso liberou o time para focar no que realmente importa: a história.
Tecnologia foi motor. Mas quem dirigiu foi gente com repertório. A automação foi usada para ganhar agilidade na publicação pós-jogo, que exige velocidade sem perder a emoção. A IA também ajudou na análise de sentimento em tempo real para captar a temperatura da torcida e ajustar o tom da narrativa.
Mundo do Marketing – Quais foram os maiores desafios para manter a velocidade e a relevância no pós-jogo?
Ricardo Bonatelli: O principal desafio foi equilibrar velocidade e verdade. Publicar rápido sem parecer superficial. Ser quente sem ser raso. Para isso, criamos uma estrutura de conteúdo em ritmo de cobertura jornalística, com equipe de captação no estádio, linha de corte pronta na base e calendário narrativo predefinido para os diferentes cenários (vitória, derrota, empate, crise).
Outro desafio foi manter consistência em meio à instabilidade dos resultados em campo. Quando se perde, o conteúdo não pode ser silencioso, tem que ser sensível. Quando se ganha, não pode ser arrogante, tem que ser emocional. O pós-jogo virou território de escuta e devolutiva para a torcida.
Mundo do Marketing – Pode compartilhar um exemplo específico de ação ou postagem que melhor resume essa estratégia vencedora?
Ricardo Bonatelli: O melhor exemplo foi a reconstrução da identidade visual das redes sociais. O Corinthians trocou a estética carregada e confusa por um sistema limpo, com tipografia forte, cores do clube em destaque, e valorização da fotografia real.
A resposta da torcida foi imediata. Nos comentários: “Agora sim parece Corinthians”, “Finalmente ficou digno”. Nas métricas: mais compartilhamentos, menos rejeição, maior tempo de tela. Isso mostrou que o impacto não está só no vídeo com milhões de views. Está também na coerência estética, na experiência de leitura e na sensação de orgulho do torcedor ao repostar algo que representa quem ele é.

Mundo do Marketing – O que esse case ensina para outras marcas que buscam construir relevância cultural, não apenas audiência?
Ricardo Bonatelli: Que cultura não se constrói com cronograma. Se constrói com escuta, repertório e coragem. Esse case mostra que marcas que querem relevância cultural precisam entender onde estão inseridas e quem são seus públicos de verdade. Que pertencimento é mais importante que volume. Que identidade é mais poderosa que alcance.
O Corinthians não virou o clube mais engajado do mundo em um dia por sorte. Foi porque passou a falar com verdade. E quando uma marca fala com verdade, quem se conecta com ela responde com voz, com emoção e com lealdade.
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