Um tempo atrás eu escrevi aqui sobre as mudanças que a definição de marketing foi sofrendo ao longo do tempo.
Resolvi, agora, explorar mais a fundo uma mudança significativa que aconteceu no que se entende por marketing principalmente a partir do ano 2000, e vou tomar como referência novamente as definições que a AMA (American Marketing Association) publica de tempos em tempos.
No começo do século XXI – em 2004, pra ser mais específico – a AMA publicou uma definição que vinha carregada de grandes novidades. Marketing, então, podia ser definido como “uma função organizacional e um conjunto de processos para criar, comunicar e entregar valor aos clientes, e para gerenciar relacionamentos com os clientes de forma a beneficiar a organização e seus stakeholders”.
Pois bem, sabe quais as grandes novidades aí? Os conceitos de VALOR e RELACIONAMENTO.
Sim, parece estranho imaginar que houve um tempo em que não se considerava valor e relacionamento como algo importante para o marketing, mas aqui a gente fala e comprova. A definição da AMA de 1985 mostrava o marketing como “o processo de planejar e executar a concepção, precificação, promoção e distribuição de ideias, bens e serviços para criar trocas que satisfaçam objetivos individuais e organizacionais”.
Nada de valor! Nada de relacionamento!

Em 1985, marketing era basicamente visto como a operação dos famosos 4 Ps, bastante focado na transação, na compra do produto, sem muita estratégia e sem muito longo prazo. Já em 2004, a visão era outra, era a de construção de um relacionamento mais duradouro com os clientes. Era como se a transação, que antes era o ponto final da relação entre empresa e consumidor, agora fosse o ponto de partida dessa mesma relação.
Mas o que será que aconteceu, então, entre 1985 e 2004 para que o entendimento sobre o que marketing é mudasse tanto? Em poucas palavras, aconteceram o Marketing B2B e o Marketing de Serviços.
Nenhum desses 2 campos havia sido muito explorado ainda. Quando os acadêmicos começaram a se debruçar mais profundamente nesses contextos, começaram a perceber que a transação pura e simples não explicava o que acontecia nas relações entre empresas e entre prestadores de serviço e consumidores.
Em ambos os contextos, o relacionamento era fundamental. Uma empresa, quando compra de outra, não compra apenas o produto. Ela compra segurança, confiança, paz de espírito, e isso só vem com o tempo e com o desenvolvimento de um relacionamento. Isso vale para serviços também, e como exemplo vou citar a relação que temos com a pessoa que corta nosso cabelo, ou que faz nossa unha. É só uma transação que tá acontecendo ali?
A realização de que o relacionamento tem uma grande importância abriu um novo campo para o marketing: o marketing de relacionamento! Obviamente, não é de CRM que eu estou falando aqui, mas sim do conceito de marketing de relacionamento e todos os seus desdobramentos.

O marketing de relacionamento inverteu totalmente a lógica do que era discutido até então. A atuação do marketing passou a ser algo de médio/longo prazo, por exemplo. O consumidor passou a valer muito mais por tudo aquilo que pode fazer ao longo da vida do que pela compra que pode fazer agora. E, importantíssimo, o valor deixou de algo obtido na compra do produto e passou a ser algo obtido através do uso dele.
Essa percepção de que o valor aparece apenas no uso do produto mudou tudo. As teorias modernas de marketing se baseiam fortemente nisso. O produto, por si só, não tem valor nenhum (como se acreditava anteriormente); ele só passa a ter valor quando a pessoa usa o produto e começa a usufruir dos benefícios que ele proporciona. Ou seja, a transação é só o começo!
Atualmente, fala-se em COCRIAÇÃO de valor. O valor é criado em parte pela empresa, que especifica o produto, e pelo consumidor, que o usa. Cocriação, portanto, não é chamar o consumidor para participar do desenvolvimento do produto, como escuta-se por aí, porque esse entendimento ainda traz embutida a ideia de que o valor se encerra no produto em si, e só.
A cocriação de valor é a prova máxima de que a visão de 1985 está irremediavelmente ultrapassada. Ela reflete a compreensão de que o cliente não é mais um destinatário passivo de uma oferta, mas um agente ativo no processo de geração de valor. O produto ou serviço é apenas uma 'proposta de valor' que o cliente, por meio de seu uso e experiência, converte em valor real e individualizado.
Essa mudança não é apenas semântica; ela exige que as organizações repensem cada etapa de sua operação, tratando o relacionamento e a experiência de uso como o core business do marketing, e não mais a simples transação.
O marketing de hoje é, acima de tudo, a gestão de uma experiência contínua e cocriada.
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