Curiosamente, algumas das maiores empresas farmacêuticas multinacionais, tais como Novartis; Merck, Sharp & Dohme (MSD); Bristol Myers Squibb (BMS); GlaxoSmithKline (GSK), entre outras – e que fabricam grande parte dos medicamentos de referência comercializados no Brasil – não são tão conhecidas pelos brasileiros quanto alguns laboratórios nacionais, como Medley, EMS, Aché e Cimed.
Muito provavelmente, isso ocorre pelo fato de as multinacionais investirem quase que exclusivamente nas marcas dos seus medicamentos, ao passo que as indústrias nacionais investem bem mais nas suas marcas corporativas e nas respectivas identidades visuais.
Claramente, essas são estratégias de marketing bem definidas por essas indústrias, porém o que se indaga é se tais estratégias estão condizentes com a proteção marcária por elas adotada.
Mas, antes de falarmos sobre as formas de proteção utilizadas por essas empresas, é necessário mencionar que existe uma frequente troca de titularidade das marcas de medicamentos, pois são elas os ativos intangíveis mais importantes das empresas do setor. O interessante é que, geralmente, essa troca ocorre sem que o consumidor tome conhecimento.
Um exemplo recente é o multivitamínico CENTRUM, cuja marca, que era de titularidade da Wyeth/Pfizer, passou a fazer parte do portfólio da GSK em 2021 e, desde julho de 2022, pertence à recém-criada Haleon. Tudo isso sem que os consumidores tivessem, necessariamente, percebido essas mudanças, mas, talvez, apenas uma ligeira alteração na fonte do logotipo e no símbolo – ambos registrados como marca –, que fez com que a marca CENTRUM fosse modernizada, porém sem perder suas características distintivas, como pode ser observado a seguir:
Como se verifica, não são apenas marcas conhecidas que são objeto de negociação, mas portfólios e unidades de negócio inteiras mudam de mãos sem que essas trocas sejam percebidas pelos consumidores e/ou afetem a sua confiança no produto. Justamente por isso, não é interessante que os laboratórios deem destaque às suas marcas corporativas nas embalagens, já que isso poderia dificultar a venda da marca de um medicamento se ela estivesse firmemente atrelada à marca do fabricante original ou do mais recente.
Outro tipo de alteração que ocorre com certa frequência é a troca apenas do fabricante do medicamento, sem que tenha havido troca de titularidade da marca, ou seja, um medicamento cuja marca pertence a uma empresa tem seu uso licenciado a outra que irá fabricá-lo e registrá-lo perante a ANVISA. Um exemplo dessa situação ocorre com a marca FLORATIL, que é de titularidade da Biocodex e já foi comercializado no Brasil diretamente por ela, pela Merck KGaA (durante algumas décadas) e, há poucos anos, foi licenciada para a NATULAB e, algum tempo depois, para a FQM, sem que o logotipo da marca e/ou a embalagem do medicamento tivessem sofrido alterações significativas, como pode ser verificado pelas imagens das embalagens a seguir reproduzidas:
Mas seja qual for a estratégia financeira adotada pelas empresas em relação às marcas de seus medicamentos (venda ou licenciamento), é imprescindível que a titular registre não apenas a forma nominativa da marca, i.e., o nome em letras de fôrma, mas também seu logotipo. Além dessas duas formas de registro, é recomendável que a titular proteja as principais características distintivas do layout da embalagem, registrando-as como marca figurativa ou como marca mista em conjunto com o logotipo.
Considerando que o registro marcário confere ao titular, e consequentemente ao licenciante, o uso exclusivo da marca em todo o território nacional e que seu uso desautorizado constitui crime previsto nos artigos 189 e 190 da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI), a atenção com o registro da marca, nas diferentes formas citadas, é um cuidado que deve ser tomado pelo titular, pois oferece ao licenciado uma maior segurança quanto à possibilidade de repressão a possíveis infrações relativas às marcas e ao trade dress das embalagens dos medicamentos por ele comercializados no Brasil.
Outro aspecto importante sobre a proteção das embalagens dos medicamentos é que, como mencionado inicialmente, as indústrias farmacêuticas nacionais têm investido bem mais nas suas identidades visuais corporativas e em suas marcas institucionais. Dois exemplos excelentes são o Laboratório Aché, com suas embalagens rosa magenta, e a Cimed com sua nova “caixinha amarela”, aliada à uma forte campanha publicitária para divulgação não somente do seu “trade dress”, como também da marca CIMED.
Apesar de as cores isoladas, in casu, o rosa do Aché e o amarelo da Cimed, não poderem ser registradas como marca (em vista da proibição contida no art. 124, VIII, da LPI), essas cores, quando combinadas com algum elemento distintivo da embalagem e/ou um logotipo, são perfeitamente registráveis.
De qualquer modo, o uso contínuo e inalterado dessas cores pelo Aché e pela Cimed possibilita que as embalagens dos medicamentos dessas empresas sejam não apenas reconhecidas, mas “percebidas” pelos consumidores como sinais marcários e identificadores da origem dos respectivos produtos, independentemente de registro. Dessa forma, com base nesse reconhecimento, essas empresas podem impedir terceiros de usarem embalagens semelhantes, por meio de uma ação de repressão à concorrência desleal por violação de trade dress.
Como visto, não existe uma estratégia única que sirva de modelo para todas as empresas farmacêuticas. Porém, fica claro que as empresas que detêm a titularidade de marcas de medicamentos muito conhecidas – sejam elas multinacionais ou nacionais – devem investir na proteção não apenas dessas marcas, mas também dos logotipos e dos layouts das respectivas embalagens. Por seu turno, as empresas nacionais, a exemplo do Aché e da Cimed, podem e devem apostar, também, nas suas marcas institucionais, bem como na adoção de embalagens bastante distintivas e diferenciadas dos padrões comumente encontrados no mercado, de modo que, aos olhos dos consumidores, essas embalagens se tornem a “marca registrada” da empresa.
*Deborah Portilho, advogada, mestre em Propriedade Intelectual e Inovação, com MBA em Marketing. Parecerista na área de Propriedade Intelectual, especialmente em conflitos judiciais envolvendo Trade Dress, Marcas de Medicamentos e Direito da Moda. Sócia-diretora da D.Portilho Consultoria & Treinamento em Propriedade Intelectual (“D.Portilho Academy”) e da D.Portilho Sociedade de Advogados. Presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB/RJ (CDMD). Membro do Pharmaceutical Trade Mark Group (PTMG); Membro do Conselho Consultivo e de Ética da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI); membro da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI); membro da Associação Paulista da Propriedade Intelectual (ASPI) e membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e de suas Comissões de Propriedade Industrial e de Direito Autoral.
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