Em um país que envelhece a passos largos, um grupo antes subestimado no mercado se revela uma verdadeira potência econômica e social: os brasileiros com 60 anos ou mais. Os dados não mentem: R$ 1,6 trilhão em renda, com R$ 960 bilhões convertidos em consumo em 2023, segundo a SeniorLab. Esse é o potencial de uma população que, em boa parte, já quitou suas dívidas, tem casa própria e filhos independentes.
Em entrevista ao Podcast Mundo do Marketing, o especialista Martin Henkel, fundador da SeniorLab e um dos principais nomes do estudo sobre longevidade no Brasil, traça um retrato profundo, desafiador e oportuno desse público que já movimenta quase um trilhão de reais por ano em consumo e exige das marcas um olhar muito mais atento, empático e estratégico.
Henkel derruba o mito da homogeneidade entre os 60+. Com mais de 35 milhões de pessoas nessa faixa etária, que representam 17% da população brasileira em 2025, o especialista alerta: dentro desse grupo convivem três gerações diferentes — da Silenciosa (pré-baby boomers) à geração X — com valores, histórias e modos de consumo bem diversos. “Não existe uma única persona. Existe uma matriz de comportamentos, contextos e estilos de vida que precisam ser entendidos caso a caso”, adverte.

O novo comportamento de compra
A Geração 60+ possui características bastante específicas que garantem impulsos pontuais ao consumo. O recebimento de uma aposentadoria, por exemplo, é uma fonte de recurso que garante previsibilidade e oferece mais possibilidades dentro do planejamento financeiro. Podendo comprar, estes consumidores não se interessam apenas pelo produto, mas por toda a experiência: adquirem o atendimento, a linguagem e o ambiente, e esperam se sentir bem-vindos por onde passam.
Henkel destaca que, após os 60, o sistema límbico — responsável pelo impulso — perde força, e o córtex pré-frontal, ligado à razão, assume o comando das decisões. “Esse consumidor se pergunta: ‘Isso é importante? Vai me ajudar? Vale a pena?’. Isso exige das marcas uma abordagem mais racional e consultiva, sem abrir mão do vínculo emocional. Afinal, eles estão abertos a trocar de marca, desde que isso faça sentido”, explica.
A citada troca tende a acontecer quando as empresas não compreendem as necessidades deste público e cometem erros comunicacionais. “As empresas ainda têm vergonha de falar com o público maduro. Existe um medo inconsciente de envelhecer, chamado gerascofobia, muito presente nas equipes jovens de Marketing. É preciso entender as necessidades reais, falar na linguagem certa e criar experiências significativas”, pontua Henkel.

Tecnologia não é uma barreira
76% dos brasileiros com 60+ já usam smartphones, e a relação com a “telinha de seis polegadas” faz cada vez mais sentido. O celular é hoje o principal canal de relacionamento para eles. Por lá, eles falam com os netos, marcam consultas e compram passagens aéreas. Ao fazer sentido, a tecnologia deixa de ser uma barreira e se transforma em uma aliada. Se a interface não atrapalha e atende a um propósito de uso, a tendência é que eles aprendam a usar, com maestria, todos os recursos que facilitam o dia a dia.
Neste contexto, o grande desafio está em mudar o paradigma interno das empresas. O especialista destaca a importância de entender como as marcas se relacionam com um público economicamente ativo, cada vez mais independente e expansivo. “Eles já estão aí, comprando, decidindo, influenciando. E em algumas cidades, como Porto Alegre, um em cada quatro habitantes já tem 60 anos ou mais”, pontua.
Diagnósticos de ponto de venda (PDV) realizados pela SeniorLab evidenciam um padrão preocupante: os vendedores, em geral, evitam atender clientes com cabelo branco. Isso ocorre com frequência, sobretudo em lojas de eletroeletrônicos, onde ainda persiste a ideia equivocada de que atender consumidores sêniores é sinônimo de uma venda difícil, demorada e cheia de explicações.
“O que muitos não percebem é que, hoje, esse público costuma chegar à loja muito bem informado. Já pesquisaram o produto, sabem suas características técnicas, conversaram com filhos e amigos, consultaram o Reclame Aqui e usaram o Google a seu favor. Em muitos casos, conhecem o produto melhor que o próprio vendedor”, explica Henkel.

O aumento da familiaridade com dispositivos tecnológicos faz parte de um conjunto de características modernas que vem aumentando a independência do consumidor 60+. O conceito também é descrito pelo aumento do controle financeiro e a liberdade de escolha, passando por onde e com quem eles desejam morar. “Hoje, seguradoras já oferecem coberturas com assistências pensadas para idosos que vivem sozinhos e querem continuar assim com segurança e conforto”, exemplifica Henkel.
Esse é o momento de criar estratégias duradouras, com comunicação fluida, produtos ajustados e serviços pensados de ponta a ponta para esse consumidor. “Quem entender isso primeiro, sai na frente”, finaliza o Fundador da SeniorLab.
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