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IA no mercado editorial: entre a ferramenta e a autoria original

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Tempo de Leitura 6 min

DATA

16 de jul. de 2025

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Reportagens

mercado editorial inteligencia artificial

A InteligĂȘncia Artificial jĂĄ Ă© uma realidade no mercado editorial e uma realidade que provoca diferentes sentimentos. Mais do que ameaças ou encantamentos apressados, ela impĂ”e uma reflexĂŁo: onde começa e onde termina o papel do autor humano? AtĂ© onde a tecnologia colabora e a partir de que ponto ela compromete? Esses e outros dilemas ganharam força com o recente cancelamento do PrĂȘmio LiterĂĄrio da Editora Kotter, em Curitiba, apĂłs a detecção de obras geradas por IA entre os finalistas.

Para Lilian Cardoso, fundadora da LC Comunicação e uma das principais vozes do mercado editorial brasileiro, o episĂłdio Ă© emblemĂĄtico. “Foi muito simbĂłlico esse caso. Um prĂȘmio cancelado porque descobriram que tinham obras feitas por IA. A mĂĄquina estĂĄ muito avançada, ela pode muito bem adotar o estilo de escrita da pessoa, mas ela Ă© perfeita demais e o ser humano erra. É possĂ­vel identificar quando um texto Ă© feito a atacado por IA”, alerta. 

Lilian, que lidera uma agĂȘncia voltada Ă  assessoria e ao Marketing de autores e editoras, vĂȘ a IA como uma ferramenta poderosa, mas com limites claros. “Eu digo que tem trĂȘs tipos de autor na era da IA: o que nĂŁo usa, o que usa parcialmente e o que entrega a histĂłria inteira. Se o uso Ă© para destravar uma ideia, Ă© um ponto. Se escorar na ferramenta para uma ideia e concepção Ă© outra”, afirmou ao Mundo do Marketing.

Ferramenta ou autoria?

Bruno Trindade Ruiz, sócio e diretor da b+ca, reforça essa separação entre uso operacional e autoria criativa. “Na nossa área, a personalização e a exclusividade do serviço importam muito. Criamos para artistas, eventos e marcas que se expressam por meio da sua imagem e personalidade”, explica.

Na b+ca, a IA Ă© usada com pragmatismo: transcrição automĂĄtica de entrevistas, geração de legendas, tradução de conteĂșdos com agilidade e precisĂŁo, alĂ©m de restauração de materiais em baixa resolução. “SĂŁo usos que envolvem volume e repetição, onde o tempo faz a diferença, nĂŁo para funçÔes criativas. NĂŁo queremos abrir mĂŁo disso”, contou Bruno em entrevista ao Mundo do Marketing. 

Mas como usar a InteligĂȘncia Artificial? O sĂłcio e diretor da b+ca afirma que a empresa tem posição clara. “A IA Ă© uma aliada operacional, nĂŁo criativa. Usamos para acelerar processos ou organizar dados, mas a construção estĂ©tica, narrativa e emocional Ă© sempre feita por pessoas e acreditamos que esse Ă© o caminho”, reforça.

O papel do leitor como curador

Para Lilian, a melhor curadoria ainda vem de quem lĂȘ. “O leitor perceberĂĄ. Vai ler e dizer: ‘isso aqui Ă© uma mistura de Augusto Cury com Portela’. A IA entrega algo certinho demais, mas quando lemos um autor de verdade, reconhecemos. A originalidade, o ritmo, a cadĂȘncia sĂŁo marcas de uma literatura original”, defende.

Para a executiva, o leitor nĂŁo se contentarĂĄ com obras rasas, uma vez que a IA realiza um apanhado do que existe e nĂŁo se aprofunda em temas originais. Ela exemplifica com um autor nacional de seu catĂĄlogo. “Quando peguei o livro do ZĂ© Alonso, parecia que ele estava conversando comigo. Era exatamente isso que eu queria que acontecesse. Queremos ler um novo Saramago, um novo ‘Torto Arado’”, pontua.

Apesar disso, Lilian reconhece o papel democrĂĄtico da ferramenta de dar mais confiança para quem nunca escreveu ou Ă© independente. “Existem pessoas com histĂłrias geniais, mas que travam com medo de errar o portuguĂȘs. A IA pode ajudar a destravar, por exemplo. O que nĂŁo pode Ă© a tecnologia virar a autora no lugar da pessoa”, afirmou.

IA e produção em escala

O uso de IA jĂĄ estĂĄ consolidado em ĂĄreas tĂ©cnicas do processo editorial. TraduçÔes simples, revisĂ”es bĂĄsicas e atĂ© diagramaçÔes padronizadas estĂŁo sendo assumidas por mĂĄquinas. “A diagramação bĂĄsica, hoje, um autor independente jĂĄ faz sozinho. AlĂ©m disso, editoras que publicam 20, 30 livros por mĂȘs precisam reduzir custos. A revisĂŁo, a tradução, jĂĄ estĂŁo sendo substituĂ­das em parte, mas existe algo no fator humano que a mĂĄquina nĂŁo faz, como traduzir termos especĂ­ficos de um idioma ou captar o sentido do autor em uma frase especĂ­fica que nĂŁo cabe tradução literal”, explica Lilian.

Bruno concorda com o avanço da IA em ĂĄreas tĂ©cnicas, mas faz um alerta. “Um algoritmo pode organizar, acelerar, replicar e sugerir. NĂŁo pode, no entanto, criar sentido como um humano. Principalmente quando falamos de cultura e mĂșsica, o que conecta nĂŁo Ă© apenas a informação, mas a intenção por trĂĄs de uma palavra ou um silĂȘncio. O futuro Ă© da colaboração: profissionais criativos que sabem usar IA como extensĂŁo do seu repertĂłrio, nĂŁo como atalho”, afirmou.

Lilian afirma que hĂĄ uma tensĂŁo em relação Ă  produtividade, que muitas pessoas acabam deixando de notar. “Precisamos usar a IA para aliviar a sobrecarga, mas precisamos defender nosso diferencial. Um revisor tem que saber explicar por que ele Ă© melhor. Um tradutor tem que saber se divulgar onde a IA nĂŁo alcança. Porque se nĂŁo souber, serĂĄ substituĂ­do”, diz Lilian.

A fundadora da LC afirma tambĂ©m que nĂŁo basta sĂł produzir conteĂșdo. “Estamos correndo o risco de escrever para mĂĄquinas. Posts gerados por IA, lidos por IA. Livros escritos por IA, recomendados por algoritmos de IA. Onde cabe o humano nessa histĂłria?”, reflete.

TransparĂȘncia e Ă©tica

Bruno defende a transparĂȘncia como princĂ­pio norteador. “Fazer uso da IA para revisar, adaptar ou organizar conteĂșdo Ă© uma coisa. Assinar um projeto feito 100% por IA, sem clareza, Ă© outra. O YouTube desmonetizou recentemente vĂ­deos feitos com IA e sem curadoria humana. Isso mostra que o mercado começa a reconhecer o valor da criação humana”, lembrou.

Para ele, a chave Ă© a consciĂȘncia. “O uso legal e Ă©tico da IA depende da transparĂȘncia e do entendimento de que, mesmo com IA, ainda somos nĂłs que criamos o sentido das coisas”, avalia.

Apesar dos rankings da Amazon estarem sempre com livros de rĂĄpida e fĂĄcil absorção,  Lilian explica que a solução Ă© investir em uma educação e formação de leitores para outros gĂȘneros, para que haja oportunidade para todos. 

“Precisamos formar mais leitores, porque senĂŁo, nĂŁo importa se o livro Ă© escrito por IA ou por humano: quem lerĂĄ Ă© outra IA. O editor quer manter uma boa equipe, mas precisa que os livros vendam. E o autor, se estĂĄ sozinho, tem que escolher suas batalhas”, afirmou.

Mas ela tambĂ©m acredita em caminhos paralelos. “Tem espaço para os dois mundos. A IA assumirĂĄ funçÔes bĂĄsicas, sim. Mas os projetos mais cuidadosos, com capricho, com arte, com propĂłsito, ainda serĂŁo humanos. Temos que buscar o espaço onde sĂł nĂłs sabemos fazer”, afirma.

Questionada se chegarĂĄ o dia em que os prĂȘmios literĂĄrios terĂŁo a categoria “criação por IA”, Lilian Ă© enfĂĄtica. “A IA nĂŁo deixarĂĄ de ser utilizada, entĂŁo o mercado terĂĄ que se adaptar de alguma forma. Essa pode ser uma solução? Talvez, mas veremos cada vez mais uma valorização das obras originais, diagramaçÔes originais que nenhuma mĂĄquina pode substituir. Porque nem tudo Ă© sobre custo. O criativo sempre se sobrepĂ”e”, conclui.

Leia tambĂ©m: A ascensĂŁo da IA AgĂȘntica na publicidade: o que muda para marcas e consumidores?

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Priscilla Oliveira

Editora

Jornalista especializada em Marketing e comunicação corporativa. Traduz temas complexos em conteĂșdos acessĂ­veis e relevantes para profissionais da ĂĄrea.​

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