A recente decisão de Donald Trump de descontinuar as políticas de diversidade e inclusão nos Estados Unidos pode impactar diretamente as práticas de governança corporativa e ESG (ambiental, social e de governança) das empresas globalmente. No Brasil, empresas com capital estrangeiro, que já implementaram essas políticas em resposta às exigências de investidores e parceiros internacionais, podem reavaliar sua postura.
Adriana de Paiva Correa, sócia da Verri Paiva Advogadas, alerta que a redução da pressão para adotar práticas de diversidade pode enfraquecer o compromisso das empresas com a inclusão. "Muitas dessas empresas adotaram políticas de diversidade por conveniência, mais por uma demanda externa do que por uma mudança verdadeira na cultura organizacional", afirma. Para ela, essa flexibilidade nas políticas de diversidade nos EUA pode resultar em um retrocesso no compromisso com a inclusão globalmente, inclusive no Brasil.
A advogada também aponta que empresas que retrocederem em suas políticas de diversidade podem enfrentar desafios legais. Questões relacionadas à conformidade com as leis locais, que incentivam práticas inclusivas, podem entrar em conflito com a nova postura adotada pelos parceiros comerciais. Adriana destaca ainda o risco de litígios, especialmente para empresas de capital aberto que assumiram compromissos públicos com práticas ESG. "Uma mudança abrupta pode até levar a acusações de greenwashing ou socialwashing", alerta.

O impacto das grandes marcas globais
Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, consultoria de impacto social especializada na criação de ambientes corporativos humanizados, éticos e psicologicamente seguros, afirma que, embora o cenário político nos EUA tenha um impacto considerável nas tendências globais, muitas empresas globais operam em mercados com legislações, culturas e expectativas sociais diferentes.
"Embora algumas marcas, como Toyota, McDonald's e Meta, tenham abandonado as políticas de diversidade nos EUA, é improvável que essas empresas abandonem completamente essas práticas em outros mercados, como na Europa ou na América Latina, onde a diversidade e a inclusão são vistas como essenciais para o progresso social e empresarial", explica Carine.
A CEO ainda ressalta que as empresas que operam em mercados onde a diversidade é considerada um valor competitivo, como a inovação e a atração de talentos, podem ter sérios prejuízos se recuarem nessas práticas. "Negligenciar a diversidade e a inclusão pode levar à perda de talentos qualificados e à desconexão com consumidores conscientes", afirma.

O papel das marcas nesse momento
Para Carine, as marcas têm um papel fundamental em momentos de retrocesso nas políticas de diversidade, especialmente quando se observa uma resistência em certos mercados. "As empresas devem se posicionar como líderes na construção de uma sociedade mais justa e equitativa, mantendo ações concretas e coerentes em defesa da diversidade", afirma Carine.
Ela enfatiza que manter uma postura de inclusão não é apenas uma questão moral, mas também estratégica. "Pesquisas mostram que equipes diversas geram ideias inovadoras e têm um desempenho superior", explica.
Carine ainda destaca que, em um cenário global em que as pressões sociais e políticas variam, as empresas devem ser resilientes e garantir que suas operações continuem alinhadas aos valores de equidade e inclusão. "Investir em inclusão é essencial para atrair e reter talentos, fortalecer a reputação da marca e aumentar a conexão com consumidores exigentes", conclui.
Um efeito duplo para as empresas brasileiras
As mudanças nas políticas de diversidade nos EUA podem ter um efeito duplo para as empresas brasileiras. Enquanto algumas podem usar o cenário global como justificativa para retroceder, outras podem ver uma oportunidade para se destacar ao manter um compromisso com práticas ESG. "Empresas brasileiras que realmente compreendem a diversidade como um motor de inovação e impacto positivo verão isso como uma oportunidade de liderar, mostrando que a inclusão não é uma demanda passageira, mas um pilar essencial para um futuro mais sustentável e justo", afirma Carine.
Para Beatriz Oliveira, Gerente de Conteúdo do Museu da Diversidade Sexual, agora é a hora de separar o joio do trigo. “As políticas de diversidade e inclusão impactaram de forma positiva muitas empresas que as adotaram de forma genuína e estruturada, acredito que aquelas que estão, ou vão voltar atrás são aquelas que estavam “surfando a onda”, ou que se sentiam pressionadas pelo avanço das políticas públicas. Aquelas empresas que verdadeiramente acreditam e vivem a cultura da diversidade e inclusão seguirão firmes em seus propósitos”, contou em entrevista ao Mundo do Marketing.
A executiva aponta que é hora das marcas reforçarem seu posicionamento e tranquilizarem seus consumidores e funcionários. “Veremos um grande número de empresas recuando e retrocedendo nas políticas de diversidade e inclusão. Isso afeta mulheres, pessoas LGBTQIA+, pessoas pretas e indígenas, pessoas com deficiência, entre outros. O papel das empresas que de forma verdadeira trabalham com DE&I devem reforçar seus posicionamentos, tranquilizar seu público e funcionários e, se possível, ampliar sua atuação, como forma de mitigar os impactos negativos do retrocesso no mercado”, pontuou.

Setores mais impactados: tecnologia e bens de consumo
A flexibilização das políticas de inclusão, especialmente no setor de tecnologia e bens de consumo, pode prejudicar a capacidade de inovação e a atração de talentos diversos. A indústria de tecnologia, que tem uma forte ênfase em diversidade como um pilar para impulsionar a criatividade, pode ser uma das mais afetadas. "Uma redução da diversidade nas equipes pode afetar diretamente a capacidade de inovação", alerta Adriana de Paiva Correa.
Beatriz reforça que as mudanças das bigtechs e das demais empresas encoraja outras a abandonarem ou diminuírem o papel da diversidade em suas políticas e cultura organizacional. “Sabemos da força e influência que os EUA exercem sobre a economia mundial e como o posicionamento de seu líder dita tendências mundo afora. Nos últimos anos, já víamos uma redução no número de empresas que trabalham essa temática, mas acredito que há uma parcela considerável de marcas que realmente acreditam neste modelo de negócio mais inclusivo e justo, e que continuarão com seu trabalho sério e genuíno”, concluiu.
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