No futuro do varejo, não há espaço para caixinhas separadas. Foi com essa provocação que Washington Theotonio, da Americanas, e João Piccolo, do Google, abriram sua participação no CMO Summit 2025. Mais do que apresentar um case, os executivos trouxeram à tona uma verdade desconfortável, mas necessária: a omnicanalidade só acontece de fato quando há integração real entre pessoas, processos, dados e cultura.
“Não se trata de ter loja, app e e-commerce. É sobre conectar tudo isso com inteligência e propósito”, resumiu Piccolo. Ele explicou no painel “Omnichannel 2.0. A integração invisível entre digital e físico que entrega experiência e resultado mensurável”, que em um mercado ainda em amadurecimento, o que diferencia as marcas não é a tecnologia, mas a capacidade de transformar mentalidade em prática.
Piccolo, que iniciou sua carreira no varejo — incluindo passagens por Americanas, Magalu e Pão de Açúcar — reforçou a visão de que os silos entre on e off são limitadores estratégicos. “Eu nunca larguei o varejo. Só mudei de lado”, brincou.

Para ele, o diferencial competitivo está na forma como se estrutura a jornada e se usa os dados para tomar decisões em tempo real. “Temos que ir além do buzzword e realmente integrar operações e métricas para acompanhar o consumidor onde ele estiver.”
A dupla também pontuou que, mesmo em mercados maduros como o dos Estados Unidos, o desafio da integração total ainda está em construção. O que muda é a velocidade de adoção e a mentalidade das lideranças. No Brasil, o aprendizado é diário e as tecnologias, como a inteligência artificial, aceleram o processo. “Mas se não houver uma mudança cultural antes da técnica, nada se sustenta”, alertou Washington.
Por isso, o case apresentado ia muito além de mídia: era sobre mudança de mentalidade.
Jornada não linear e o desafio de repensar métricas
Ao explicar o papel da jornada na construção de estratégias omnichannel, Piccolo apresentou o conceito de messy middle — um espaço onde o consumidor navega entre exploração e avaliação de forma caótica, imprevisível e altamente influenciada por múltiplos estímulos. “A jornada não é mais linear. E o desafio é que os nossos modelos de atribuição ainda são”, destacou.
Assumir a bagunça é o primeiro passo para criar modelos de mensuração mais realistas. Com isso, cai por terra a lógica tradicional do funil. Segundo Piccolo, embora o modelo clássico de awareness, consideração e conversão ainda seja útil para algumas provas de conceito, ele não dá conta da complexidade atual.
O consumidor pode ser impactado por uma mídia de fundo de funil, migrar para exploração no topo e abandonar ou retomar a compra em outro ponto. “Distribuir budget entre essas etapas hoje é muito mais complexo”, afirmou.
Washington acrescentou que enquanto “está tudo em caixinha, não precisa junta, porque quando se assume a confusão, é necessário criar novos KPIs”. Essa mudança exige também revisão de modelos de atribuição, atualização de dashboards e integração de dados entre áreas. Uma das lições que eles deixam é que mais do que dominar plataformas, o Marketing moderno precisa entender a fundo os mecanismos que ligam comportamento, mídia e conversão em todos os canais.
Cultura antes da tecnologia: a virada interna na Americanas
Na prática, a transformação na Americanas começou pela cultura. Washington relembrou que, ao assumir a área, encontrou dois times de Marketing: um dedicado à Americanas.com e outro às lojas físicas. Até mesmo as redes sociais eram duplicadas, com perfis distintos. “O consumidor é um só. Mas internamente estávamos presos nas caixinhas, medindo tudo separado. A primeira ação foi unificar o time e, depois, as operações de comunicação. A mudança foi desafiadora, mas trouxe resultados rápidos em engajamento e eficiência”, contou.

Essa unificação impactou também os parceiros externos. “Antes, falávamos com o Google sobre e-commerce. A loja física era uma conversa à parte. Quando unificamos internamente, exigimos que isso se refletisse também nas reuniões com o Google”, disse Washington.
A provocação fez Piccolo repensar o próprio modelo de atendimento do Google. “Foi um aprendizado para nós. Falávamos de omnicanalidade, mas na prática ainda estava com a cabeça no funil do e-commerce”, reconheceu.
O novo modelo de colaboração exigiu também uma redefinição de KPIs. A conversão online deixou de ser o único indicador de sucesso. Métricas como fluxo na loja, ROAS omnichannel e ticket médio passaram a compor o painel de decisão. “Quando integramos as métricas, passamos a tomar decisões muito mais baseadas no comportamento real do consumidor e não apenas no que era fácil medir”, afirmou Washington.
Always On: dados como motor da inteligência comercial
Foi a partir dessa nova lógica que nasceu o projeto Always On. Trata-se de uma campanha digital contínua, ativa em todas as 1.600 lojas da Americanas e que jamais é desligada. O objetivo não é apenas conversão, mas geração constante de dados sobre comportamento, fluxo, conversão regional, e mais. “Essa campanha virou um ativo de inteligência”, contou Washington.
A campanha também é usada como base de comparação com os ciclos promocionais tradicionais da empresa. O principal aprendizado veio do que a Americanas chamou de “efeito bifurcação”: toda campanha com foco no físico impacta o digital e vice-versa.
Ao observar dados anonimizados, a empresa identificou padrões claros de influência cruzada. O ROAS da campanha Always On, por exemplo, foi significativamente superior às campanhas sazonais, o que motivou a migração de parte dos investimentos para esse modelo. “Estamos mudando a lógica de alocação de budget, saindo do varejo de eventos para um modelo mais estratégico e contínuo”, explicou.
Com a parceria do Google, o impacto da campanha também pôde ser medido com alta precisão. A partir da interação com anúncios no Google, a plataforma rastreia (via Android e sinal Wi-Fi) quais consumidores visitaram uma loja. A campanha Always On se transformou, assim, em uma fonte inesgotável de aprendizado, não só sobre performance, mas sobre o próprio comportamento do consumidor. “Sabemos exatamente se um clique virou visita. E cruzamos com dados de ticket médio, itens comprados, e impacto regional”, concluiu Piccolo.
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