Um dos maiores produtores de grãos do Brasil, o Rio Grande do Sul hoje sofre com as enchentes e tenta se reerguer após a tragédia. Enquanto as doações são feitas para ajudar a população do sul, o restante do país corre para os supermercados para estocar arroz e milho, fazendo com que algumas lojas tenham que limitar a quantidade do alimento. Tal atitude, segundo o advogado e economista Alessandro Azzoni, não precisa existir, uma vez que o país tem condições de prover os grãos.
Em entrevista ao Mundo do Marketing, ele explicou que a aquisição de grãos dos países do Mercosul deverá suprir o que faltar, uma vez que boa parte da safra deste ano já havia sido colhida. “Se essas áreas de armazenamento não foram atingidas, então temos esses estoques e não teremos um impacto tão negativo em um primeiro momento”, apontou.
Azzoni aponta que o Brasil tem diversos produtores pelo seu território, o que é mais favorável. Diferentemente da Espanha, por exemplo, que na seca de 2023, perdeu totalmente safras de azeitonas, fazendo com que o preço do azeite disparasse em todo o mundo.
As questões climáticas, por sua vez, devem ser mais importantes de se debater no momento, segundo Alessandro Azzoni. “A economia sempre é sensível e sempre sentirá qualquer fenômeno natural, por exemplo, como foi no Rio Grande do Sul. Esse grande impacto vai afetar a economia brasileira como um todo. O grande problema hoje é a discussão das mudanças climáticas: as autoridades acreditarão nos estudos ou nos índices que estão sendo publicados? Índices são feitos para serem levados em consideração, estudados e aplicados”, alertou.
Confira a entrevista na íntegra.
Mundo do Marketing - Quais as consequências das chuvas no RS no abastecimento do varejo? Alessandro Azzoni: A importância do Rio Grande do Sul, principalmente no abastecimento do varejo no Brasil, é significativa. Lembrando que o Rio Grande do Sul representa 6,5% do PIB nacional, conforme o IBGE. A economia gaúcha é impulsionada principalmente pelos setores da agropecuária e da indústria de transformação. Então, esse impacto na produção de grãos, principalmente os grãos de arroz, milho e soja podem afetar diretamente o abastecimento do varejo.
Tem uma parte significativa da produção de carne, principalmente a suína, que pode ter sido afetada também. Nós não temos como quantificar ainda qual foi a dimensão dessa perda. Temos ainda alguns dados, mas hoje nós trabalhamos muito com projeções em cima do que foi relatado.
Nós temos ainda uma questão de que parte da produção já tinha sido colhida. Na questão do arroz, praticamente 83%, na de soja, 75% e de milho, 83% também foi colhido. Então, nós temos grande parte já colhida dentro de silos ou já em beneficiamentos. Se essas áreas de armazenamento não foram atingidas, então temos esses estoques e não teremos um impacto tão negativo em um primeiro momento.
Algumas instituições financeiras que analisam o mercado acreditam que o impacto dentro do PIB brasileiro pode chegar a uma queda de 0,2% a 0,3%. Esse impacto pode ocorrer primeiramente porque, mesmo que você tenha estoques de arroz, milho e soja colhidos, você tem um grande problema de logística para sair do estado. Implica muito nas operações de distribuição. Como sair essa produção de lá em grande escala, sendo que as estradas estão inundadas, destruídas ou com pontes caídas. Então, mesmo que você tenha os estoques, você pode ter prejuízos na distribuição.
Na questão de indústria, nós temos indústrias varejistas, como Renner, Arezzo e Carrefour que também têm seus estoques e suas indústrias naquela região. Também podem ter uma situação complicada de produção, se elas não forem atingidas.
Voltando um pouco à questão do abastecimento de grãos, isso pode gerar um desequilíbrio na oferta de produtos. E sabemos que na economia, quando você tem uma demanda muito grande e você tem a oferta de produtos na prateleira menor, o preço sobe. Tanto que ontem o presidente da República já assinou uma medida provisória, autorizando a importar arroz dos países aqui do Mercosul. É justamente uma forma do Governo Federal para tentar controlar os preços por meio de estoque de produtos. Se houver alta nos preços, porque o arroz faz parte da cesta básica, então é uma maneira de você controlar os impactos inflacionários.
Mundo do Marketing - Como as safras de produtos oriundos do sul foram afetadas? Alessandro Azzoni: As safras foram um afetadas em certo ponto, como expliquei anteriormente as porcentagens. Ainda podemos ter perdido esse residual de arroz, milho e soja e isso pode impactar na produção. O pior seria o cenário de você ter uma perda total. Vale lembrar que a safra do ano passado já foi comprometida. Então, nós já estávamos passando por uma recuperação dessa questão no Rio Grande do Sul que, no ano passado, também sofreu impactos de chuvas.
Em setembro, nós tivemos inundações naquela região. Não foi nessa proporção, mas tivemos. Também afetou a produção, tanto industrial como agrícola. São setores que estavam se recuperando. O mercado já trabalhava com uma possibilidade de recuperação.
Toda vez que falamos de produtos agro, temos de trabalhar com uma estimativa do que foi plantado e do que vai ser colhido. Mas sempre se leva em consideração os efeitos climáticos.
Ou uma estiagem prolongada, ou chuvas ou até geadas. Dimensionamos o risco. Nesse caso, como a produção já tem uma grande parte dela colhida, o que maior prejuízo será na distribuição desse desses produtos. Mas o que está no campo realmente pode ter sido perdido, porque o que passa na televisão são algumas imagens, mas não mostra a devastação tal como foi. Nós temos algumas cenas muito cortadas, que mostram casas destruídas, com árvores em cima de casas de dois ou três andares.
Então, é como se tivesse tido um tsunami mesmo. Lavou-se tudo e destruiu-se tudo. Então, nós só vamos saber realmente o potencial dessa destruição quando a água baixar, para poder fazer o balanço final. Até agora, são estimativas, dados que temos. Mas a produção que estiver no campo certamente foi perdida.
Mundo do Marketing - Como o varejo deve se preparar? Alessandro Azzoni: O varejo já costuma se preparar para essa questão de escassez dos produtos. O problema é justamente a má informação. Vi relatos de grandes redes de supermercados, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo, que os estoques de arroz estão praticamente sumindo das prateleiras e alguns supermercados colocando o racionamento para que as pessoas só levem dois. Não é cenário de desabastecimento. Nós não dependemos exclusivamente do Rio Grande do Sul.
Pode afetar a questão de preço. Depois que essa medida provisória sobre a importação foi assinada e a companhia nacional de abastecimento receber esses grãos, pode ser que o valor que você está comprando no supermercado fique até muito mais barato do que está hoje. Então, não adianta correr para o mercado. Compre o arroz se você tiver necessidade. Se não, você vai causar mais um desequilíbrio de abastecimento apenas por falta de informação.
A importação de grãos já foi autorizada, o governo já está se preocupando em comprar esses produtos, justamente para abastecer as regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Enquanto a região Sul e a Centro-Oeste devem continuar utilizando o arroz nacional. O varejo já se prepara nesse sentido de buscar alternativas. E, lembrando que parte desses estoques já foram colhidos. Sempre quando você tem uma quebra de uma oferta, isso sempre impacta, mas temos outras regiões produtoras.
Não se produz carne suína só no Rio Grande do Sul, não se produz arroz só no Rio Grande do Sul. Nós temos outros estados que também têm produção. E nós podemos ter nesses outros estados até uma superprodução que pode equilibrar a oferta. Então, às vezes pode ficar mais barato.
De certa forma, o que está se fazendo em caráter emergencial no varejo é como o Governo Federal fez. Como o arroz faz parte da cesta mágica, já foi liberada a medida provisória para a importação de arroz pela companhia nacional de abastecimento. O mercado já começa a se equilibrar, procurando outros fornecedores, para poder fazer o abastecimento de seus mercados. Por tudo isso, eu não vejo ainda um risco de desabastecimento.
Mundo do Marketing - Como essa situação afetará a economia em si? Alessandro Azzoni: Pela redução na oferta. Nós temos um estado que representa esse 6,5% do PIB, e houve essa quebra de produção da indústria de transformação, de produção agrícola. Mesmo que haja uma recuperação no setor, você tem a questão da logística de distribuição também. E isso acaba afetando.
Tanto que as projeções feitas pelos principais analistas de mercado falam de uma queda no PIB, de 0,2% ou 0,3%, nessa perspectiva de maio, justamente por essa queda de produção.
Então, quando você deixa de abastecer, deixa de produzir. E, deixando de produzir, reduz a oferta de produtos. Automaticamente, pode ter um processo inflacionário que, por sua vez, pode aumentar o preço da cesta básica. Então, isso afeta sim a economia.
A economia é uma sintonia fina de vários agentes. Quando falamos dela, muitos acham que é uma receita exata. Não. É como se você tivesse uma mesa de som ou de iluminação em um show, onde todos aqueles botões daquelas mesas são diversas variáveis. Tem a variável climática, tem a variável internacional, tem a variável fiscal, tem variáveis sensíveis como uma doença, epidemias como a dengue, como tivemos com a COVID.
Então, vários daqueles botões que tem ali têm que estar muito bem ajustados para que o resultado seja positivo. Não adianta, por exemplo, ter uma grande produção agrícola, reduzir inflação, ter emprego, nível de salário aumentar, se você tiver desajuste em outros setores, por exemplo, como no setor social, com um desequilíbrio de renda muito grande, que começa a gerar mais violência.
A economia sempre tem que estar em uniformidade ou tentando alcançar esse equilíbrio. Trabalhamos muito com a linearização. Ou seja, temos vários pontos espalhados e tentamos traçar uma reta entre eles, para tentar achar um equilíbrio, fazer uma ponderação. Existem vários pontos fora da linha, para baixo ou para cima, mas tentamos achar um ponto comum, que permita traçar essa linha, esse equilíbrio.
É uma forma de mostrar que a economia sempre é sensível e sempre sentirá qualquer fenômeno natural, por exemplo, como foi no Rio Grande do Sul. Esse grande impacto vai afetar a economia brasileira como um todo, sim.
Mundo do Marketing - Como as questões climáticas estão impactando diretamente a economia no Brasil e no mundo? Alessandro Azzoni: O grande problema hoje é a discussão das mudanças climáticas: as autoridades acreditarão nos estudos ou nos índices que estão sendo publicados? Existe um ceticismo nesse sentido: “Ah, mudanças climáticas é papo de ambientalistas”, “Ah, essa informação é muito catastrófica”. Índices são feitos para serem levados em consideração, estudados e aplicados.
Se vários índices internacionais levam em consideração determinada evolução, então a questão dos efeitos climáticos das chuvas era prevista. Hoje nós temos imagens de satélites. Você vê a movimentação das nuvens e todo sistema de baixa pressão, ciclone tropical. Conseguimos ver tudo por satélite. Com a previsão, dá para se fazer um contingenciamento disso.
Os setores elétricos, por exemplo, trabalham com essas séries históricas e com esses índices porque têm que controlar o seu reservatório. O reservatório é um estoque de água para fazer girar as turbinas e gerar energia. Aquela água é usada para fazer uma turbina funcionar e gerar eletricidade. E eles fazem vários cálculos como curvas de nível e banco de águas. Eles consideram sempre as séries históricas de 10,15, 20 anos para ter uma previsibilidade de índices pluviométricos para que possam encher aquela parte.
Parece que os reservatórios já sabiam dessa quantidade de chuvas muito grande, tanto que já estavam fazendo a análise dos seus reservatórios e a capacidade de recebimento dessa água. Eles já sabiam dois, três dias antes esse alerta. Como todas as autoridades já sabiam.
Então, esses alertas são justamente para prever e se prevenir. O reservatório vai receber essa água, vai encher. Se ultrapassar os 100%, tem de abrir a vazão do reservatório. Se, abrindo a vazão, tiver outra usina embaixo, a mesma coisa. Porque ela vai receber, além das águas da chuva, mais 10% do outro reservatório. Esses índices são muito usados, mas o grande problema é a parte política: governos e prefeituras. Os prefeitos analisaram os índices pluviométricos? Na maioria dos casos, percebemos que são recorrentes nas mesmas regiões.
Mundo do Marketing - Então a quem cobrar diretamente por mudanças nessas questões? Alessandro Azzoni: Eu acho que o primeiro responsável na linha constitucional é o prefeito, porque existe o Plano Diretor que regulamenta o crescimento da cidade. E depois você tem a Lei de Zoneamento. Então, tudo que está acima da terra é gerido pela municipalidade. Ela que vai ditar como deve ser feito, o que pode ter ali. Se você pode ter uma indústria, se você pode ter uma casa de dois andares, se você pode construir em uma área que é de preservação ou não. Toda aquela licença, aquela autorização, é dada pela Prefeitura.
Então, a prefeitura tem que ter um monitoramento de áreas de riscos, áreas de enchentes. Ela tem que fazer ações preventivas, que minimizem esses impactos. Enquanto o Poder Executivo levar a questão das mudanças climáticas como retórica e não como fato, nós teremos cada vez mais incidentes.
O grande exemplo disso é o Rio Grande do Sul, com Porto Alegre e Canoas. Toda essa região afetada sabia dos riscos. Sabiam que são áreas perto de rios. Uma bacia muito concentrada de águas. Tanto que nós temos a Itaipu para cima, lá no Paraná.
Nós sabemos a questão das águas nesta região. Nós tivemos chuvas em setembro de 2023, em proporção muito menor, e Porto Alegre ficou debaixo da água. E agora, em menos de um ano, temos a mesma situação. As águas estão baixando nas cidades acima de Porto Alegre. E essa água está descendo para Porto Alegre. O próprio governador do estado falou: “essa água, chegando aqui embaixo, provavelmente inundará Porto Alegre”.
E você vê que as áreas que são alagadas, são por falta de manutenção, com porta quebrada, bomba sem manutenção, falta de investimento. Aquele muro de comportas mostra que elas são feitas manualmente, elas não são eletrônicas. Sobre essas questões das mudanças climáticas, os cientistas e as entidades internacionais estudam e montam o cenário para que sejam tomadas medidas mitigatórias.
São Paulo fez isso, criou uma Secretaria Especial de Mudanças Climáticas. É uma secretaria executiva, que trabalha diretamente com o prefeito. Ela coordena praticamente todos os projetos relacionados a mudanças climáticas que estão sendo desenvolvidas por outras secretarias e unifica a fiscalização desses projetos. Com isso, você consegue dimensionar.
Foi feito o maior plano de combate contra cheias e enchentes. Mobilizaram a questão de áreas de risco. Colocaram no sistema da Sehab, que é a Secretaria de Habitação. Determinaram que as primeiras pessoas que seriam colocadas nas unidades habitacionais eram as que estavam em área de risco. Removendo assim essas pessoas das áreas de risco. Essas áreas de risco eram recuperadas para que ninguém fosse lá habitar novamente. E evitando assim novos deslizamentos.
As áreas de drenagem foram aumentadas. Para ter um exemplo, existem jardins de chuvas, que são usados na Europa – eles têm cerca de 40 jardins de chuva. São Paulo já está em 340. Foram feitas ações mitigadoras. Se chover em São Paulo na mesma proporção que no Rio Grande do Sul, vai atingir pessoas? Vai. Só que vai diminuindo os danos, vai diminuindo a fatalidade do que está acontecendo.
Essas mudanças climáticas devem ser consideradas com responsabilidade pelas autoridades do executivo, como os prefeitos e os governadores. Se deixarem de pensar nisso como retórica e sim como o fato, ao aplicar essas ações nos seus estados, nós teremos cada vez menos incidentes.
Agora, se continuarem com esse desmazelo, nós teremos cada vez mais vítimas e mais mortes. Então, eu volto a dizer isso: ter mudanças climáticas é um fato. Nós temos índices de estudos que podem ser aplicados. E devem ser aplicados. Cabe ao poder executivo. Cabe ao governador, ao presidente da República e, principalmente, aos prefeitos, adotar isso como política pública. Não só como palanque, mas com medidas efetivas.
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