Quando falamos sobre programas de sócio-torcedor, ainda é comum que a primeira associação seja à geração de receita recorrente. Claro, essa é uma das suas virtudes mais visíveis, e valiosas, mas está longe de ser a única. Um programa bem estruturado vai muito além disso: ele é uma poderosa plataforma de engajamento, inteligência de dados, fortalecimento de marca e transformação digital dos clubes brasileiros.
O ponto de partida para qualquer iniciativa relevante nesse campo é a clareza de posicionamento. Antes de definir preços, campanhas ou benefícios, é preciso mergulhar no universo do torcedor e entender suas motivações, dores e realidades. Existe o torcedor que vai sempre ao estádio, o que vai de vez em quando e aquele que nunca vai, mas quer apoiar o clube, sentir-se parte dele e carregar esse orgulho no peito. Só depois de mapear esses perfis é possível desenhar um programa que funcione como um produto de assinatura completo, com planos diferentes para necessidades distintas, da prioridade na compra de ingressos a experiências digitais exclusivas.

A sustentabilidade de um programa não está só na entrada de novos sócios, mas principalmente na capacidade de manter os atuais. E isso só acontece quando o torcedor sente que recebe algo de valor. Quando essa percepção falha, o cancelamento é quase certo. Por outro lado, quando o clube consegue entregar valor contínuo e significativo, o programa se torna parte integrante da rotina e da identidade do torcedor.
Tenho visto de perto que um dos principais fatores de sucesso é a capacidade de inovar continuamente. No início, uma nova funcionalidade ou benefício pode causar um grande impacto. Mas, com o tempo, o que era extraordinário se tornou padrão. O segredo, então, é manter o ciclo de evolução vivo. Isso pode se dar na jornada digital, na experiência de compra, na comunicação, na forma de entrega de conteúdo ou no relacionamento pós-jogo. Um programa que não se reinventa perde relevância, e, com ela, o torcedor.
Além disso, os efeitos indiretos de um bom programa de sócio-torcedor são estratégicos. Um deles é a formação de hábitos. Quando um torcedor vai regularmente ao estádio, ele fortalece a atmosfera do jogo, aumenta a atratividade para o público de TV e ajuda a compor a imagem do clube como marca. Outro impacto fundamental é a geração de dados. A recorrência do programa permite que o clube conheça melhor o torcedor, crie produtos e experiências mais aderentes, atraia patrocinadores mais qualificados e tome decisões de marketing baseadas em informação, não achismo.

Mas há um obstáculo relevante: a escalabilidade. Muitos clubes ainda operam com estruturas muito dependentes de pontos físicos e atendimento humano. Isso limita o crescimento. O caminho passa, inevitavelmente, pela transformação digital. É ela que permitirá ampliar os pontos de contato, personalizar ofertas e criar experiências que transcendem os 90 minutos. O torcedor de hoje, especialmente o mais jovem, consome de outra forma: prefere conteúdos rápidos, dinâmicos, interativos. Cabe aos clubes acompanharem essa mudança de comportamento e oferecerem novas formas de pertencimento e engajamento.
E há muito espaço para crescimento. Segundo estudo da Sports Value, os clubes brasileiros poderiam faturar até R$2 bilhões por ano com sócio-torcedor, se combinassem venda de ingressos com produção de conteúdo digital. Hoje, com pouco mais de 1 milhão de sócios adimplentes, menos de 1% dos 160 milhões de torcedores são impactados por esses programas. Isso mostra que o modelo atual ainda está distante do seu verdadeiro potencial.
No fim das contas, o sócio-torcedor deve ser pensado como uma ponte entre o clube e sua torcida, entre o presente e o futuro, entre a paixão e a profissionalização. Ele é o elo que transforma apoio em estratégia, fidelidade em inteligência, presença em pertencimento. E, para os clubes que quiserem realmente crescer de forma sustentável, essa ponte precisa ser cada vez mais larga, conectada e digital.
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