Você entra em uma plataforma de streaming. A vitrine inicial já está moldada por suas escolhas passadas. Nos aplicativos de compras, tudo parece feito para você e, ainda assim, você sente que não está descobrindo nada novo. O que era para ser colocar o cliente no centro virou apenas repetição de padrões de consumo. E o que deveria ser empatia virou predição.
Nos últimos anos, as empresas comunicaram incansavelmente a sua estratégia de centralidade no consumidor. Colocar o cliente no centro das decisões, entender sua jornada, criar experiências personalizadas — tudo isso, que antes era desejável, se tornou necessário. E a relação consumidor-empresa passou a contar com mais um ator mediando esse processo: a tecnologia.
As tecnologias ganharam protagonismo e uma nova dinâmica vem se construindo: algoritmos, sistemas de recomendação e IA generativa interagem com a jornada do consumidor moldando a experiência e isso levanta uma nova e incômoda pergunta: o consumidor ainda está realmente no centro ou está apenas sendo refém das decisões que as empresas desenham a partir dos dados coletados ao longo do caminho?
O avanço das formas de personalização em massa deveria representar o ápice da centralidade, afinal, temos mais dados, mais contexto e mais ferramentas para fazer acontecer. Mas quando deixamos que o algoritmo assuma o volante por completo, corremos o risco de transformar o consumidor em um alvo previsível, em vez de um agente ativo na construção da relação com a marca. A personalização vira uma bolha. A centralidade vira uma simulação.

O que temos observado — tanto em pesquisas quanto na prática — é um novo paradoxo: ao usar tecnologia para nos aproximar do consumidor, podemos estar, na verdade, criando barreiras invisíveis para entender as pessoas que estão do outro lado da tela e sendo enganados pela sensação de proximidade que a generalização de informações frias e padronizadas nos traz. A experiência se torna aparentemente personalizada, mas extremamente automatizada e restrita a opções priorizadas com base em performance. A jornada torna-se eficiente, mas não necessariamente empática. Os caminhos que ele percorre são otimizados, mas não necessariamente autênticos.
A co-criação das experiências com o consumidor, que deveria ser o principal insumo para experiências memoráveis e autênticas, tem se tornado coadjuvante por conta de uma tecnologia mediadora que não é neutra. Toda interface, todo algoritmo, todo dado interpretado, é feito por meio de um filtro. E esse filtro está cada vez mais opaco. O que deveria ajudar a entender o consumidor pode estar apenas reforçando padrões do passado, enviesando o que ele vê, escolhe e consome e retroalimentando uma bolha de decisões que mascara oportunidades de conexão com as pessoas.
Mas, calma! Há caminhos possíveis. Marcas que desejam resgatar uma centralidade real — e não apenas preditiva — podem retomar uma visão empática da relação começando por:
Criar espaços de descoberta, onde o consumidor possa se expressar e não apenas confirmar o que já gosta.
Revisitar as práticas de escuta, olhando além dos dados e considerando as contradições comportamentais — geralmente ignoradas pelas predições automáticas — analisando também as emoções e até os momentos de silêncio do consumidor.
Assumir um papel consciente no desenho da mediação tecnológica, equilibrando automação com intenção e contexto – entendendo que relacionamento e co-criação se constrói a partir de capacidades humanas como, por exemplo, a confiança.
Algumas empresas já entenderam isso. A Netflix, por exemplo, passou a investir em experiências editoriais que rompem com os padrões do algoritmo, como as listas curadas por humanos. A Sephora tem explorado jornadas híbridas que combinam IA e atendimento consultivo, reconhecendo que nem tudo pode ser resolvido por uma máquina. O Spotify lançou playlists criadas por artistas e especialistas, fugindo da bolha algorítmica e propondo que as pessoas podem se beneficiar da curadoria humana aliada a análise de dados de uso para novas descobertas.

No fundo, a pergunta não é apenas “o quanto conhecemos o consumidor?”, mas sim: “o quanto estamos permitindo que ele se revele, de forma autêntica, diante das estruturas que criamos?”
A centralidade no cliente é um conceito que evolui com a tecnologia e comportamentos de consumo. Ela não pode ser apenas sobre eficiência. Deve ser, acima de tudo, sobre relação e escuta, co-criando a evolução de negócio. Talvez o maior desafio das marcas hoje não seja como usar a tecnologia, mas quando deixá-la de lado para ouvir de verdade, equilibrando o consumo e a análise de dados de forma sistemática, com uma leitura inteligente e empática, capaz de construir marcas, experiências e negócios que realmente façam a diferença.
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