“ABM is B2B".
Eu li essa frase no tênis do Sangram Vajre (uma das minhas referências para ABM) no palco do Inbound 2019 - o que parece um século atrás.
Mas a mensagem segue bem atual: ABM é a base dos negócios B2B. E negócios B2B que vendem baseados em contas existem desde que o mundo (dos negócios) é mundo.
No entanto, com mais e mais tecnologias, IAs, fórmulas prontas e hacks mil, a lógica personalizada e qualificada que deveria ser inerente às relações de negócios B2B deu lugar à escala a qualquer custo - seguida, é claro, pela frustração quando nada disso funciona como prometido.
O primeiro passo para reverter essa frustração é compreender o porquê das falhas. Nesse artigo, vou me aprofundar justamente nas bases dos tantos e tantos casos de falha ao implementar uma estratégia de ABM. Se você enxergar a sua empresa nessas falhas, tá tudo bem, você não está só - e bora reverter esse cenário!

Antes de falar de ABM, vamos falar de B2B como um todo.
Eu deixei o B2C para trabalhar com negócios B2B há 10 anos, em uma indústria multinacional.
Naquela época, muito do negócio era relacional, com uma geração de demanda mais passiva, com um marketing mais de suporte e uma jornada de compra sales-driven fragmentada e cheia de oportunidades para trabalhar.
O interessante aqui é que, nos anos seguintes (e até agora), eu trabalhei com mais de 20 negócios B2B diferentes. Em multinacional, em consultorias e em startups - em diferentes mercados também. E me deparei, em todos os casos, com desafios muito similares:
A dor inicial é: Funil muito instável e pouco previsível;
Sustentado por um desalinhamento estratégico e operacional entre marketing e vendas - e CS, que muitas vezes é esquecido na equação;
Os times atuam com uma segmentação de clientes inadequada - e direcionamento de recursos também;
Que reflete na jornada padronizada e zero personalizada;
Com muito foco em aquisição e pouco foco em retenção de clientes;
Sem se preocupar com a gestão do conhecimento - sobre clientes, processos, dados….
Essas dores, em mercados estáveis e com poucos players, até pouco tempo não eram tão gritantes. Mas, nos últimos anos, a situação mudou - e continua mudando por dois motivos que parecem óbvios na teoria, mas seguem incomodando na prática: os clientes B2B seguem mudando cada vez mais rápido e a jornada de compra está cada vez mais complexa.

Os clientes B2B seguem mudando cada vez mais rápido:
Todo mundo sabe que, com o atual contexto digital e com o aumento de possibilidades, os clientes (no B2C e no B2B) hoje são muito mais informados, possuem muito mais possibilidades de solução e possuem o poder de barganha na relação de negócios.
>> NA PRÁTICA, ISSO SIGNIFICA QUE: com mais informações e opções de compra, a expectativa das pessoas e empresas clientes segue cada vez mais alta. Segundo o Sales Force, 92% das pessoas compradoras de negócios B2B querem uma experiência tão encantadora como se estivessem comprando no B2C. E, além disso, 94% das pessoas (pasmem) querem ser tratadas como PESSOAS, e não como números.
>> MAS, POR ALGUM MOTIVO, muitas empresas seguem ignorando essa tendência e apostando em um playbook antigo centrado no produto (e não nos clientes). Com isso, acabam usando a tecnologia para ampliar esse padrão, oferecendo uma mesma oferta para clientes que não necessariamente precisam dos seus produtos.
Apesar de não faltarem dados e evidências que nos apontem que precisamos adotar estratégias mais personalizadas e centradas nos clientes (como ABM), por que algumas empresas ainda insistem em tratar os clientes do jeito que nós não gostamos de ser tratados?
A jornada dos clientes está cada vez mais complexa
Também não é novidade pra ninguém que as jornadas de compra estão cada vez mais complexas, com mais e mais possibilidades, canais, informações, mudanças e players para seus clientes analisarem e escolherem.
>> NA PRÁTICA, ISSO SIGNIFICA QUE… os nossos clientes dominam boa parte da jornada de compra. ,Com tantas opções, informações e caminhos, é deles o poder de barganha, usando múltiplos canais, envolvendo mais pessoas e pedindo por mais fluidez, geração de valor e encantamento na jornada ponta-a-ponta.
>> MAS, POR ALGUM MOTIVO… A jornada interna que se conecta a essa jornada está cada vez mais fragmentada, desalinhada e cheia de fricções. A complexidade externa resultou em uma complexidade interna que privilegiou a especialização do que integração entre os times. As áreas de marketing, vendas, CS, operações e produto se fragmentaram em várias subáreas que, além de não se conectarem entre si, também não se conectam bem com seu entorno.

O desalinhamento entre marketing, vendas e outras áreas de uma empresa é a maior evidência de falta de centralidade no que importa: O CLIENTE.
Dados não faltam para mostrar as consequências (De gente que passa a vida pesquisando):
Apenas 0,75% dos leads viram clientes (Forrester);
<2% de cold calls viram reuniões (LeadJob);
-63% é a redução da conversão de um deal guiado apenas por vendas (Gartner);
+74% é o avanço médio da jornada de compra de um cliente B2B até entrar em contato com vendas (Gartner)
Adicionando um pouquinho mais de caos nesse cenário, esses desafios se intensificam quando fazemos o recorte de vendas complexas B2B pra grandes contas, ou seja:
Ciclo de vendas longo, de 3 meses a 2 anos;
Alto ticket médio ou LTV - o que significa que é uma venda de alto risco para o cliente,
Por esse motivo, são várias as pessoas da empresa que são envolvidas ao longo da jornada de compra;
E, para nutrir esse relacionamento, o CAC (Custo de Aquisição) para esses clientes é tão alto quanto o potencial retorno financeiro (LTV) para a empresa.

Deveria ser óbvio, mas não é: Quanto mais complexa for a jornada do cliente, mais complexa e arriscada é a venda (o risco é de tempo, de recursos e de dinheiro - dos dois lados).
Concorda comigo que, nesse cenário, não dá pra jogar a rede e esperar a maior quantidade de peixes, né? Não podemos tratar clientes de forma igual, fragmentada e desalinhada.
Para diminuir o risco das vendas e conquistar e criar relações de confiança que queremos com os clientes, precisamos tornar a jornada mais conectada, fluida e personalizada possível.
É aqui que entra o ABM (Account-Based Marketing).

O que eu aprendi sobre ABM há 10 anos.
Claramente, o contexto B2B que enfrentei em diferentes empresas não estava funcionando e, ao pesquisar por caminhos de solução, eu encontrei o ABM como a estratégia salvadora da pátria.
De 10 anos pra cá, nos meus primeiros contatos com conteúdos da Engagio e da Terminus (e outras fontes que conheci desde então), aprendi que ABM é uma estratégia de marketing hiper personalizada e voltada para vendas complexas, focada em contas-alvo pré-definidas de acordo com o seu Perfil de Cliente Ideal (o tal do ICP).
Quando comecei a estudar sobre o assunto, essa era uma estratégia que parecia simples e lógica, com 5 passos definidos para o sucesso:
Mas, tal como já vi com outras estratégias e métodos da moda, na hora de colocar essa metodologia pra rodar na prática, alguma coisa se perdia e, via de regra, o que eu mais ouvi - e continuo ouvindo muito - foi que “ABM não funciona” ou “ABM não gerou nenhum resultado”ou ainda que “ABM não é pra mim”.
Mas… se esse é o passo a passo, porque tem tanta empresa frustrada com ABM?
Mas então por que as estratégias de ABM falham tanto?
Em vários anos aplicando ABM em diferentes contextos e hoje mentorando empresas na implementação de estratégias de ABM, vivenciei os meus aprendizados mais de uma vez, então reforço eles aqui para você não sofrer como eu sofri, rs.
Eu organizei esses aprendizados em 7 modos de falha que, na minha visão, fazem com que as estratégias de ABM não funcionem na prática - e também sugiro ações para evitar que eles aconteçam:
>> Modo de falha 1: Tratar ABM como receita de bolo. 🍰
Se as bases do ABM são personalização, humanização e vendas complexas, não é meio paradoxal tratarmos ABM como uma receita de bolo pronta pra replicarmos? Eu acredito que ABM é menos uma fórmula mágica e mais uma mentalidade de longo prazo. Não é só uma play pontual, seguindo o passo a passo, que vai fazer com que a gente se conecte com a conta que estamos buscando, mas sim, a mentalidade de personalização e construção de relacionamentos.
>> Modo de falha 2: Identificar ICP e contas-alvo no achismo (e na preguiça mesmo)
Essa pode ser uma armadilha muito comum em ABM. Às vezes, a gente acaba escolhendo contas com uma análise genérica e pouco aprofundada, e isso pode nos levar a investir tempo e recursos em contas que não têm tanto fit com nosso negócio. Uma das consequências é que, na preguiça, as empresas estão todas indo nas mesmas 500 grandes contas dos rankings de Forbes, Valor e Exame, saturando os contatos dessas contas. O que muitas vezes a gente não vê, são as oportunidades em um monte de contas tão relevantes quanto, com ótimo fit para o negócio e que são menos high profile.

>> Modo de falha 3: Esquecer os CPFs dentro dos CNPJs
É importante lembrar sempre: nossos clientes, além de empresas, são feitos por pessoas. No segundo “B” do B2B tem um monte de “C” junto: precisamos entender e personalizar a jornada para AS PESSOAS dentro das contas que queremos conquistar, tal como se faz no B2C. Se dedicamos tempo suficiente em conhecê-las, nossa estratégia de ABM agradece!
>> Modo de falha 4: Achar que ABM se faz só em marketing.
Eu sei que o nome sugere, mas pensar que ABM é uma estratégia exclusiva do marketing na verdade pode limitar o impacto que ela pode ter. ABM é uma abordagem colaborativa que envolve marketing, vendas, CS, produto, e quem mais estiver envolvido na jornada do cliente, trabalhando juntos para personalizar e nutrir o relacionamento com as pessoas. Eu acredito que ninguém é mais dono das estratégias de ABM do que todo mundo junto. Pra mim, poderíamos trocar “Account-Based Marketing” por “Account-Based Business” rs.
>> Modo de falha 5: Áreas desintegradas e desalinhadas.
Não há estratégia de ABM que funcione com uma guerra velada entre marketing e vendas (e CS, produto, por aí vai). Se ABM é uma estratégia colaborativa onde várias áreas trabalham juntas, é mais do que importante que essas áreas estejam alinhadas e integradas antes mesmo de começar. Inclusive, muitas empresas vêm acabando com a separação entre as áreas de marketing e vendas, criando uma área de “revenue” onde todos trabalham olhando para as mesmas métricas.
Áreas no mesmo time ou não, é fundamental compreendermos as diferentes perspectivas de cada área envolvida, equilibrar suas diferentes necessidades e o que esperam com a estratégia, criar metas em conjuntos e estabelecer processos que funcionem pra todos. Ufa! Paz, né? Aliás, falei sobre isso com o Denis Garcia, Head de Grandes Contas na área de Sales Solutions do LinkedIn. Espia esse papo aqui!

>> Modo de falha 6: Não organizar a casa antes de iniciar a estratégia de ABM
Por “organizar a casa”, entenda: proposta de valor, dados, CRM, processos, SLA… As bases de uma operação de ABM bem sucedida sempre são deixadas “pra quando der", como se fosse uma perda de tempo. Mas estabelecer uma estrutura mínima é fundamental para que a estratégia de ABM não tropece em desalinhamento, retrabalho e ineficiência antes mesmo de começar.
Essa estrutura mínima, por sua vez, engloba:
Proposta de valor e PMF validados para grandes contas: Não há estratégia de ABM que funcione sem uma proposta de valor validada e alinhada entre as áreas.
Visão integrada de processos, métricas e jornada do cliente: Todos devem ter a mesma visão sobre a jornada do cliente, critérios de qualificação, KPIs, SLA e outros processos que conectam as áreas.
Gestão do conhecimento integrada e atualizada: As informações sobre clientes, contas, contatos, KPIs, insights, resultados de plays, etc devem estar integradas e acessíveis para todos.
>> Modo de falha 7: Tentar mudar a estratégia completamente do dia pra noite.
Implementar ABM é um processo que exige adaptação e ajustes contínuos. E o mais importante: que afeta o funil de vendas, por isso requer uma transição bem feita. Ao invés de tentar mudanças drásticas de uma só vez, acredito que é mais eficaz fazer mudanças graduais. Realizar testes, documentar os resultados e aprender com eles permite ajustes precisos no que não está funcionando tão bem, facilitando o crescimento sustentável e consistente dessa abordagem ao longo do tempo.
Tá, e daí? E como evitar esses modos de falha em ABM?
Se a 10 anos atrás a definição de ABM que eu tinha era de um processo simples e lógico, hoje essa definição mudou pra mim:
ABM é uma mentalidade de longo prazo, voltada para vendas complexas baseadas em contas, que envolve todos os times de negócios e humaniza e personaliza relações B2B pra guiar o crescimento centrado nos clientes.
Evitar essas armadilhas requer um olhar mais atento para como o ABM deve ser implementado na prática. Isso passa por criar uma cultura de personalização e integração real entre as áreas, alinhar objetivos, desenvolver ICPs baseados em dados reais e estruturar um plano de longo prazo para construção de relações.
No próximo artigo, vou aprofundar mais sobre como evitar essas falhas ao estruturar uma estratégia de ABM que realmente funciona, passando da teoria para a execução. 😉
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