No Dia Internacional da Mulher, o debate sobre a representatividade feminina na liderança corporativa ganha ainda mais relevância. Apesar dos avanços, mulheres ainda enfrentam desafios para ocupar cargos de alto escalão. Tendo origem nas lutas das mulheres por melhores condições de trabalho, direito ao voto e igualdade de gênero, com o passar dos anos, a busca pela equidade persiste, de acordo com um estudo divulgado pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres em 2024.
As mulheres ganham 19,4% a menos que os homens no Brasil, sendo que a diferença varia de acordo com o grande grupo ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, por exemplo, a diferença de remuneração chega a 25,2%. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Instituto FSB em 2023, apenas 29% dos cargos de liderança nas indústrias do Brasil são ocupados por mulheres.
Lideranças femininas de diferentes setores contaram em entrevista ao Mundo do Marketing as experiências que moldam suas gestões, as barreiras que precisaram superar, como e quais são as perspectivas para o futuro da equidade de gênero no mercado.

Superando desafios e consolidando espaços
Heloísa Santana, Presidente Executiva da AMPRO (Associação de Marketing Promocional), aponta que a principal dificuldade ao chegar a um cargo de liderança foi se estabelecer em um ambiente historicamente masculino e majoritariamente ocupado por pessoas de classe social mais elevada. “Conquistar liderança há 25 anos exigiu não apenas competência técnica, mas também um esforço contínuo para quebrar barreiras e abrir caminho para outras mulheres no setor”, destaca.
Para Talita Salles, Head de Marketing e Co-fundadora da healthtech Biologix, um dos maiores desafios foi estabelecer hierarquia ao assumir um cargo de liderança dentro da mesma empresa. “Liderar ex-colegas ou pessoas com quem tinha uma relação próxima exige manter respeito mútuo sem perder a autoridade”, explica.
Lara Thomazini, CMO da Warren Investimentos, compartilha um episódio que marcou sua trajetória. “Em um sábado, fui convocada para uma reunião importante, na qual era a pessoa mais sênior da minha área. A cliente levou a filha, pois não tinha com quem deixá-la, e um diretor da agência onde eu trabalhava pediu, na frente de todos, para que eu cuidasse da criança enquanto a reunião acontecia. Acabei passando o dia como babá, sem participar da discussão que eu mesma havia solicitado. Coincidentemente, eu era a única mulher no time sênior da empresa”, relata.

Redes de apoio e referências femininas
Mentoria e troca de experiências são aspectos fundamentais para impulsionar mulheres na liderança. Santana enfatiza o impacto das redes de apoio femininas: “Tive várias referências femininas ao longo da minha trajetória, e acredito no poder da troca para impulsionar carreiras”.
Já Salles destaca a importância de observar e aprender com diferentes lideranças femininas. “Trabalhei com 14 líderes diferentes em uma multinacional, a maioria mulheres. Uma delas me aconselhou a não tomar decisões importantes durante a gravidez, pois minha vida mudaria completamente. Isso foi essencial para minha jornada”, relembra.
Lara Thomazini ressalta que teve muitas mentoras ao longo da carreira e que considera isso uma das maiores sortes de sua vida profissional. “Estive cercada por mulheres incríveis, que abriram espaço e permitiram que eu crescesse. Destaco a Laura Chiavone, que teve a proeza de ser minha líder por seis anos em dois locais diferentes”, diz.

A liderança sob uma perspectiva feminina
A influência da visão feminina na liderança é um diferencial. Santana defende que esse olhar traz mais colaboração e inclusão. “Minha liderança é baseada na escuta ativa, na construção de ambientes colaborativos e na valorização da diversidade”. Para Salles, mulheres têm um viés mais cuidadoso e intuitivo na gestão. “A liderança feminina tende a ser mais atenta às necessidades das pessoas, sem perder objetividade”, afirma.
Thomazini complementa: “Não entendo que ser mulher me faz inerentemente diferente. Sou uma líder imperfeita, como todos, mas me considero uma líder humana, que coloca na equação o bem-estar físico e emocional do meu time antes de tudo”.
Como promover mais equidade?
Diversas empresas estão implementando ações para incentivar a ascensão feminina. Na AMPRO, 52% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. “Buscamos dar visibilidade a líderes femininas e promover debates sobre equidade”, diz Santana.
Na Biologix, mesmo sem uma política específica para lideranças femininas, 85% das vagas hoje são preenchidas por mulheres. “Priorizamos competência acima de gênero, e isso naturalmente levou a um aumento da presença feminina”, conta Salles.

Na Warren Investimentos, a equidade de gênero é um compromisso real. “Nosso objetivo é ter 50% de mulheres em todos os níveis hierárquicos da empresa. Para isso, investimos em programas de mentoria liderados por mulheres em cargos de liderança, criando uma rede de apoio e desenvolvimento para aquelas que estão na linha de sucessão. Também realizamos encontros periódicos entre colaboradoras para troca de experiências e fortalecimento do crescimento profissional e pessoal”, explica Thomazini.
O papel das marcas e a evolução do mercado
As marcas têm papel essencial na construção de um mercado mais inclusivo. “Empresas podem impulsionar mudanças por meio de campanhas e políticas internas”, diz Santana.
Para Thomazini, as marcas são consequência da representatividade feminina no mercado. “Ao trazer o ponto de vista das mulheres para a construção de marcas e negócios, essas empresas se tornam verdadeiros agentes de transformação da sociedade na questão da equidade. Isso vale para qualquer grupo sub-representado, não apenas mulheres”, defende.
Setores como tecnologia, publicidade e entretenimento têm avançado na inclusão de mulheres na liderança, enquanto áreas como finanças e indústria ainda enfrentam desafios. “Há evolução, mas o caminho é longo. Considerando que mulheres são 51,5% da população, ainda estamos sub-representadas em cargos de alta gestão”, pontua Santana.

Thomazini reforça que, apesar das pequenas diferenças observadas ao longo dos anos, o progresso está aquém do necessário, especialmente no mercado financeiro. “A área de Marketing, por exemplo, muitas vezes dominada por mulheres em cargos de entrada, não mantém a proporção em posições de liderança. A principal mudança é que as mulheres já sabem o valor que têm, estão mais educadas e preparadas, e não se contentam mais com as barreiras impostas”, afirma.
O futuro da equidade de gênero
Para as novas gerações, a preparação passa por conhecimento e networking. “Estejam abertas a oportunidades, desenvolvam habilidades e se relacionem com pessoas diversas”, aconselha Santana.
Salles reforça que flexibilidade é um dos principais fatores para tornar o mercado mais igualitário. “Empresas que oferecem licença-maternidade ampliada e modelos híbridos garantem um ambiente mais justo para as mulheres”.

Thomazini aconselha mulheres que aspiram a cargos de liderança a enfrentarem a síndrome da impostora. “Está na hora de identificar, tratar ou até ignorar essa insegurança que está te segurando”, alerta.
Nos próximos cinco anos, a expectativa é que diversidade e inclusão deixem de ser pautas emergentes para se tornarem parte estruturante da cultura corporativa. “Não queria ver mais uma geração enfrentando os desafios que eu e tantas outras tivemos que enfrentar”, finaliza Thomazini.
Leia também: Carreira em Marketing: posto de especialista em geração de leads se destaca em 2025
COMPARTILHAR ESSE POST