O futebol brasileiro está cada vez mais presente no território digital. Essa transformação ocorre em um contexto no qual 77% dos torcedores veem o futebol como um dos principais símbolos da identidade brasileira, conforme apontam dados da pesquisa “A Era dos Fandoms: Modo Torcida”, conduzida pela Monks, que examina a evolução da cultura torcedora e aponta como as plataformas digitais passaram a redefinir quem informa, quem interpreta e quem influencia o jogo.
O levantamento identifica uma inflexão na narrativa esportiva: a autoridade que antes se concentrava nas transmissões tradicionais migrou para o ambiente online. O impacto desta transição é maximizado pelo esgotamento da chamada “nostalgia romântica do futebol raiz” e descreve uma modalidade cada vez mais moldada pela lógica do conteúdo.
Neste sentido, o esporte se consolida como um bem cultural mutante, capaz de gerar múltiplas interpretações a partir de um único lance, contemporâneo ou do passado. Um gol não encerra uma jogada: multiplica-se em memes, clipes, fanfics, debates, colaborações e microdramas que circulam em velocidade acelerada pelo ecossistema digital.

Quatro identidades que descrevem o novo torcer
Nesse cenário, a pesquisa define quatro identidades comportamentais que traduzem a complexidade da torcida contemporânea.
A categoria “Muito Além do Placar” representa torcedores que constroem seu vínculo com base em valores, estética e posicionamento — como exemplificam o Clube Laguna SAF, de orientação vegana, e o Venezia FC, que transformou identidade e propósito em elementos centrais de afeto.
A “Torcida Íntima” descreve aqueles que torcem em silêncio, mediando sua relação com o esporte por meio de telas, cortes, lives e podcasts; entre eles, 49% afirmam que a ausência do grito não reduz a intensidade emocional.
O “Bagunça Core” enxerga o futebol como festa e caos criativo, impulsionado por memes, improvisos e fenômenos virais; nesse grupo, 46% encaram o esporte principalmente como entretenimento.
Já os “Neo-Fanáticos” vivem o clube como um ecossistema total: entre esses Super Fãs, três em cada quatro consideram que torcer é parte essencial de sua identidade, e 69% preferem ver o clube campeão a celebrar uma vitória da seleção.

Um espaço seguro no futebol feminino
O estudo também se aprofunda nas dinâmicas sociais que moldam o crescimento do futebol feminino. Em contraste com o futebol masculino, cada vez mais corporativo e distante, o feminino se fortalece como um espaço de acolhimento, no qual presença, afeto e reconhecimento não são filtrados por imperativos econômicos.
Ao abrir caminho para corpos e identidades historicamente marginalizadas, o esporte cria um ambiente em que torcer não exige vigilância. Essa nova ambiência é fundamental diante da persistência de comportamentos hostis: 78% das torcedoras entrevistadas afirmam que o ambiente tradicional do futebol ainda é marcado por preconceito e machismo.
O papel dos memes e novos formatos na reinvenção do jogo
Em outra frente, a reinvenção do futebol passa também pelo entretenimento viral e pela circulação irrestrita de conteúdo. O fenômeno recente em torno de Leila Pereira, presidente do Palmeiras, ilustra o poder dos memes: suas reações e declarações se transformaram em gatilhos de engajamento, confirmando a percepção de um terço dos entrevistados de que memes e fanfics são hoje centrais na conexão com o esporte.
Esse movimento se repete em novos formatos, como a participação de Nyvi Estephan, apresentadora gamer, na Kings League Brasil. Ao marcar um gol decisivo, ela transformou o lance em um acontecimento pop e ajudou a consolidar a visão de 57% dos jovens de 18 a 24 anos de que novas ligas e formatos indicam que o futebol deve ser reinventado.
Marcas em um novo território cultural
Com a multiplicação de narrativas e modos de torcer, o estudo sugere que marcas precisam operar em um novo território cultural. A emoção do futebol se distribui em camadas que combinam mídia tradicional, criadores de conteúdo e identidades digitais. Estratégias únicas deixam de funcionar, e modelos híbridos tornam-se a única forma de ocupar esse ecossistema de maneira autêntica.
O comportamento dos Super Fãs reforça essa transição. Para 35% deles, criadores de conteúdo e podcasts já são mais relevantes que narradores tradicionais na oferta de análise e informação. O futebol, antes espetáculo coletivo rigidamente associado ao momento do jogo, se transformou em companhia permanente, integrada ao cotidiano por meio do áudio, seja no transporte, em casa ou em atividades rotineiras.

O consumo de podcasts abre espaço para um engajamento íntimo e discreto, sem a pressão de “performar” fandom nas redes sociais ou arquibancadas. O estudo aponta ainda que 18% do público geral consome conteúdo esportivo semanalmente, proporção que sobe para 25% entre os Super Fãs.
Essa transversalidade impõe uma provocação incômoda a marcas, mídia e clubes: quem deseja existir culturalmente no universo do futebol precisa compreender que ele funciona como uma API emocional que conecta indústrias diversas. Moda, gastronomia, música, esportes emergentes e comunidades digitais passaram a operar sobre essa infraestrutura narrativa e é nela que o futuro do engajamento do torcedor está sendo construído.
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