Em “1984”, distopia publicada em 1949, o jornalista, ensaísta e romancista britânico George Orwell teve uma grande sacada ao descrever as “teletelas”, dispositivos tecnológicos capazes de monitorar e compartilhar os pormenores das vidas das pessoas.
Orwell acertou, mais de sete décadas atrás, ao prever o surgimento das mídias sociais em sua vocação para unir pessoas em torno de interesses comuns e formar verdadeiras redes de relacionamentos, valores e opiniões. Mas ele errou em um ponto nevrálgico de sua previsão: não é só o Grande Irmão, um líder político totalitário tão poderoso quanto abstrato, que seria o detentor dessa tecnologia das teletelas.
Em vez disso, vivemos uma realidade na qual todos, além de sermos observados, nos tornamos observadores uns dos outros, em uma engrenagem social impulsionada por likes e dislikes. Essa dinâmica, antes restrita ao campo pessoal, apresenta um desafio ainda mais profundo para organizações e empresas.
Como transitar nesse meio em que o público assume cada vez maior protagonismo no processo de comunicação? Como se expor sem comprometer a reputação? Isso tudo é muito novo, sobretudo para aqueles que não são nativos digitais e estão pouco familiarizados com os códigos de conduta nas redes sociais.
Não à toa, executivos da iniciativa privada e líderes de instituições públicas costumam revelar enorme preocupação em proteger suas marcas e sua reputação dos riscos que envolvem a presença nesses ambientes. Ao mesmo tempo, são cada vez mais cobrados a se posicionarem sobre os mais variados temas.
Ali, eles precisam enfrentar as consequências da exposição contínua e as implicações para a reputação das marcas e instituições que representam. O meio digital, da mesma forma que amplia a conexão com públicos diversos, impõe o imperativo de gerenciar crises em tempo real e manter a coerência entre discurso e prática.
Tudo que antes estava restrito à memória humana – falha e propensa a relapsos – e a arquivos físicos passa a ser registrado na nuvem. Nesse contexto, o ditado “O jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã” torna-se inverídico e introduz uma realidade sem margens para o esquecimento. Falhas, crises e declarações polêmicas feitas há anos, por exemplo, passam a ter a sobrevivência garantida para além do momento em que foram registradas
e podem ser conjuradas para o presente em questão de cliques, como se um dia sequer tivesse transcorrido.
Essa perda do direito ao esquecimento garante que quaisquer erros cometidos hoje sejam evocados por um futuro indeterminado, em um verdadeiro dossiê digital de tamanho inesgotável e instantaneidade garantida. O fato é que a memória pétrea das redes sociais afeta a todos, mas a uns indiscutivelmente mais do que a outros. Quanto mais se tem a perder, maior deve ser o cuidado.
É necessário ter em mente que discursos desalinhados com práticas institucionais não passam mais despercebidos. Em tempos de hiperconexão, a coerência entre o que se fala e o que se faz é o maior ativo de um líder nas redes.
Por mais simples e intuitivo que o acesso às redes sociais possa parecer, não se engane, pois se trata de um ambiente complexo povoado pelos mais diversos públicos. É interessante indagar, antes de quaisquer declarações: quem é o protagonista desta questão? Como meu ponto de vista pode contribuir para esta discussão? Vou ofender alguém ao me expressar? Eu sou a pessoa mais indicada para falar sobre o tema?
A sensação é de pisar em um campo minado. Estar nas mídias sociais é um exercício de vulnerabilidade sim, mas também de construção de relevância. Elas funcionam como um termômetro do alcance da empresa e de sua influência, um meio onde vários públicos e veículos se encontram e constroem relações de confiança.
Por isso, em muitos casos, estar ou não nas redes sociais não é opcional. O LinkedIn, por exemplo, viu a presença de executivos na plataforma crescer 23% em um ano, como divulgou recentemente o Financial Times, consagrando-se como uma extensão da marca corporativa.
Temos uma forma nova de convivência em grupo, em que é essencial saber se comunicar e lidar com o contraditório, ficar permeável à interpelação, principalmente se se trata de uma figura pública. Mais do que emitir mensagens, é a vez de participar de conversas. Aqueles que aceitarem o desafio de se posicionar com responsabilidade na teia espessa de interações encontrarão nesses espaços um território fértil para influenciar, inspirar e inovar. Poderão fazer do mundo virtual um trampolim para exercer um papel relevante na liderança.
Afinal, enquanto as teletelas de Orwell previam apenas o controle, as mídias sociais oferecem algo ainda mais valioso: a chance de dialogar e construir relacionamentos que fazem a diferença.
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