A julgar pelas palestras e debates que pude acompanhar no segundo dia de WebSummit Rio, além da onipresente reflexão em torno da IA generativa, o que presenciei foi uma programação marcada por diversos empreendedores compartilhando seus segredos de sucesso e reflexões sobre o potencial impacto de tecnologias como Chat GPT no futuro do jornalismo. Muita dica acionável foi compartilhada ali, mas o evento não se restringiu a isso.
A mesa sobre jornalismo mostrou a importância de equilibrar o otimismo com debates questionadores e reflexivos. Toda revolução tecnológica traz consigo muitos avanços, mas também novos desafios com os quais a sociedade passa a se defrontar. E é fundamental que a comunidade de inovação esteja atenta a isso, não só para que se promova um desenvolvimento ético de novas tecnologias, mas também porque muitas oportunidades de negócio podem surgir daí.
Lições de uma gigante mexicana
Na mesa que abriu o palco principal, Roger Laughlin, founder da Kavak, resumiu o que constitui o bom momento de uma empresa no ambiente moderno: estar capitalizada, ter uma visão de onde quer chegar, um time qualificado, e uma cultura forte. Ele citou inclusive que tempos de crise acabam por colocar a teste a força da cultura. Laughlin falou que vê a complexidade crescente no mundo contemporâneo como oportunidade. A cada desafio complexo que as empresas de tecnologia ou inovação consigam resolver, um novo valor é gerado para clientes em potencial. E se a solução for efetiva, eles estarão dispostos a pagar por ela.
Nesse cenário, a América Latina, justamente por seus problemas de infraestrutura, dificuldade de apoio financeiro e questões sociais, apresenta muitas oportunidades para empreendedores dispostos a encontrar soluções. O que, segundo ele, se reforça pela ainda alta disponibilidade de capital em nosso mercado.
Nesse sentido, Laughlin recomenda que os empreendedores não pensem muito e botem logo a mão na massa. Sua dica é começar logo a buscar parceiros, investidores, fornecedores, clientes e pôr à prova suas ideias, evoluindo-as gradualmente. Laughin completou essa visão positiva com uma dica: na hora de dar o pitch do seu negócio, seja para um investidor, para um cliente ou para um colaborador, concentre-se na clareza da visão e numa história inspiradora sobre ela. Essa é a melhor maneira de conectar pessoas em torno de um grande objetivo.
Os segredos da nova geração de startups em crescimento acelerado
Em seguida, as minhas atenções se voltaram para o palco do Growth Summit, em que novos empreendedores mostraram suas ideias inovadoras e compartilharam alguns segredos de sucesso. Paulo Silva, da Franq, destacou a importância de todos na empresa se enxergarem como vendedores. Já Jean Paul, da Eatopia, lembrou que hoje as marcas transcendem do seu espaço físico para o universo digital, chegando a qualquer lugar do mundo e à casa das pessoas. Vale inclusive para a indústria tradicional, como a de restaurantes. Num cenário como esse, todo mundo está competindo no mesmo lugar. Para ter sucesso, segundo ele, é preciso combinar o poder da marca com uma operação muito bem desenhada e a tecnologia adequada.
Ainda nesta rodada de apresentações rápidas, Vitor Bernardino, da Arado, resgatou a importância do propósito. Sua empresa conecta os pequenos produtores rurais em locais distantes com a mesa do consumidor final. Ele mostrou o trabalho de branding em que mudou o nome da marca para manter em evidência o propósito da organização. Já Carolina Kia, da Bud, trouxe dados impressionantes sobre como o problema de ansiedade está crescendo no mundo e afetando a produtividade das empresas. Ela mostrou sua solução para ajudar líderes empresariais a equilibrar sucesso e saúde mental.
O founder da Global66, por sua vez, reforçou o problema das dificuldades de financiamento na América Latina e deu um exemplo prático de como um empreendimento pode atuar nessa área. Ele lembrou que, em qualquer segmento, o que faz a diferença no mercado altamente competitivo de hoje é promover a melhor experiência do cliente. Por fim, a Vammo apresentou seu serviço de locação de motocicletas movidas a energia elétrica como uma solução prática e viável para diminuir significativamente a emissão de carbono no mundo.
Semeando canais orgânicos para o momento da recuperação
Durante a conferência do SaaS Monster, um dos debates mais interessantes foi a conversa com o CEO e fundador da SemRush. Andrew Warden enfatizou a importância da construção de uma audiência e uma reputação por meio dos canais orgânicos, mesmo em tempos de recessão. Para ele, em tempos assim, o investimento na mídia paga se torna caro e com menos retorno. Warden destacou que a mentalidade do empresário hoje deve estar voltada para o momento de recuperação e que canais orgânicos são a melhor forma de construir essa base de crescimento perene de audiência a médio prazo.
Muito bem mediado pela Julia de Luca, do Itaú BBA, o debate também enfatizou a importância da pesquisa de mercado para entender as tendências dos clientes, o comportamento do consumidor e os movimentos de concorrentes. Estes são os principais insumos de um conteúdo que engaja. Warden destacou também a importância de saber a linguagem ideal que a marca deve usar em cada canal.
Por fim, contou o caso de uma campanha baseada em um encontro fortuito com uma usuária. Durante um voo, ela teria comentado como era feliz por usar a solução. Explicou que a liberava para fazer as coisas de que gosta. Warden usou o caso numa campanha de marketing que foi a mais bem-sucedida da história da SemRush em termos de alcance, cliques e conversões no topo de funil.
Quando a IA Generativa encontra o jornalismo independente
No mesmo dia em que os jornais do mundo todo estavam cobrindo as declarações de Geoffrey Hinton, pioneiro da Inteligência Artificial, que acabara de deixar o Google com o objetivo de alertar sobre os riscos que a IA pode trazer para a sociedade, o WebSummit promoveu um debate em seu palco central com o tema "Será que o Chat GPT vai matar o jornalismo?". A mesa contou com a presença de grandes representantes da imprensa, como Laura Bonila da AFP, Greg Williams da Wired e Paula Mageste das Edições Globo Conde Nast, e foi conduzida com brilhantismo por Steve Clemons da Semafor, que fez um divertido papel de “advogado do diabo”.
A mesa começou com uma brincadeira na qual o Chat GPT foi convidado a falar. A IA respondeu que jamais iria matar o jornalismo, mas poderia ser usada para contribuir com a veracidade das informações. Entretanto, o mediador brincou que essa resposta tranquilizadora poderia ser exatamente o que o Chat GPT diria caso quisesse, de fato, matar o jornalismo. A discussão girou em torno da ideia de que a inteligência artificial pode ser uma enorme assistente para os jornalistas, reduzindo o tempo gasto com tarefas manuais e repetitivas.
Entretanto, ainda há fronteiras legais a serem discutidas sobre o uso dessa ferramenta. Em relação à imprensa, o principal problema é que o jornalismo depende da acurácia da informação, da checagem e de profissionais técnicos. A inteligência artificial não endereça satisfatoriamente estes pontos, devido aos vieses dos algoritmos e ao problema das muitas informações factualmente erradas que ainda saem dessas ferramentas.
Os debatedores concordaram que a forma de trabalho do jornalista vai, sim, mudar. Mas a palavra final de uma matéria continuará sendo da inteligência humana, justamente pelo critério de confiabilidade relacionado ao jornalismo profissional. Greg Williams da Wired ironizou dizendo que o Chat GPT é considerado por alguns como uma "bullshit Machine", criticando inclusive a qualidade do exemplo de uso da ferramenta feito na abertura da mesa.
Considerou um texto pobremente escrito, repleto de clichês e lugares-comuns, e que não respondeu com densidade aos aspectos críticos da pergunta colocada. Para os debatedores, o que essa a IA generativa faz na verdade é reproduzir formas de falar e formas de imagem, mas falta a ela acurácia e elementos essenciais ao jornalismo, como empatia e pensamento crítico. O debate levantou, por fim, uma grande preocupação quanto ao uso ético da inteligência artificial.
Ao longo da história, vimos que tecnologias disruptivas, além dos benefícios a que se propõem, também trazem, como efeito colateral, consequências negativas para a sociedade. Aconteceu nos últimos anos, por exemplo, com as implicações das mídias sociais na saúde mental e com o problema da disseminação desenfreada de fake news influenciando democracias ao redor do mundo. Não será diferente com o Chat GPT, Midjourney e demais IAs Generativas, embora ainda não estejam claras quais serão suas reais consequências e como a sociedade e os governos vão lidar com isso.
*Leandro Jardim é Diretor de Marketing estratégico & enablement da Cortex.
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