Vender produtos que exigem planejamento, prevenção e, muitas vezes, a reflexão sobre situações indesejadas não é tarefa simples. Por vezes, a dificuldade está menos no item em si e mais na forma como ele é percebido ou entendido pelo público. Nestes casos, profissionais de Marketing enfrentam um desafio comum: transformar complexidade em clareza.
Os fios dessa lógica foram desenrolados no debate “A Psicologia por Trás da Venda Difícil”, que reuniu Cinthia Kato, diretora de Marketing e Canais da Icatu Seguros, Alexandre Nogueira, diretor de Canais de Relacionamento, Marketing e Comunicação da Bradesco Seguros, e Fernando Cerino, diretor de Vacinas Privado da MSD Brasil.
Peça central da conversa, o objetivo de vender algo a alguém é compartilhado por todas as empresas. Mas, entre profissionais de ramos conhecidos pelo desenvolvimento de produtos e serviços que envolvem risco, prevenção ou mesmo a projeção hipotética de um cenário indesejável, a conversa ganha verbos específicos.
“Nosso desafio é fazer as pessoas se projetarem em momentos que elas não querem imaginar”, afirma Cinthia, ressaltando que o seguro de vida, serviço frequentemente associado à antecipação de eventos incapacitantes ou catastróficos, “não é só sobre morte, mas sobre proteção para diferentes e importantes fases da vida.”

A solução passa pela desmistificação do produto, e a educação do consumidor surge como um objetivo a ser alcançado. Reconhecendo o poder lúdico de narrativas leves, porém direcionadas ao xis da questão, a Icatu Seguros investe no storytelling para trazer temas delicados à realidade das pessoas.
Personagens como Chapeuzinho Vermelho e Alice, do País das Maravilhas, foram escaladas para tornar a ideia de risco em algo mais tangível e menos incômodo. “É mais fácil explicar o perigo do ‘lobo mau’ do que falar friamente sobre violência ou tragédias. A linguagem lúdica nos ajuda a abordar assuntos difíceis de forma leve”, explica a diretora.
Bradesco Seguros: comunicação como fator decisivo
Poucas pessoas acordam de manhã pensando em comprar um seguro de vida. Pelo contrário, acordamos todos os dias esperando evitar as situações que, eventualmente, originam o uso destes serviços. Isto representa o maior desafio da Bradesco Seguros: mostrar que a proteção pode – e deve – fazer parte do dia a dia das pessoas.
O cumprimento deste objetivo, entretanto, é particularmente trabalhoso no mercado brasileiro: com apenas 17% das residências cobertas por um seguro, 17% da população signatária de um seguro de vida e 30% de cobertura veicular, o país demonstra que o assunto continua pouco atraente.
Estudando as causas da baixa penetração, o braço de seguros do Bradesco identificou a procrastinação como um freio para brasileiros interessados em adquirir os serviços. Possibilitada por exercícios estratégicos de social listening e escuta ativa em todos os pontos de contato, a descoberta balizou a comunicação e moldou um slogan feito sob medida para o clube dos procrastinadores.
“Dessas observações, nasceu o bordão ‘Vai que…’. Percebemos que as pessoas sempre procrastinavam a decisão de fazer um seguro com frases como: ‘vai que acontece’ ou ‘vai que não acontece’. Por que não transformar esse jeito popular de falar em uma campanha leve, bem-humorada e que gera reflexão? A repercussão foi enorme e até hoje esse bordão é um dos mais lembrados do setor”, pontua Nogueira.

Vacinação e o desafio de engajar adultos
Sob a ótica da ciência, os anos 20 modernos são vistos como tempos obscuros para a indústria das vacinas. Movimentos antivacina ganharam força durante a pandemia, e a resistência aos avanços do setor provocam efeitos que vão além da rejeição pontual às campanhas anuais de vacinação.
“Se perguntamos sobre a luta do Whindersson Nunes com o Popó, todo mundo sabe o resultado. Mas quando falamos sobre uma vacina contra o câncer, quase ninguém conhece. Esse é o tamanho do nosso desafio”, compara Cerino, que defende campanhas de conscientização apoiadas em dados, figuras públicas e médicos para ajudar a despertar o interesse público em temas de importância vital.

No âmbito da comunicação, o verbo “simplificar” surge como pilar para as campanhas desenvolvidas para o setor. A escolha de palavras que toquem, que sejam fáceis de entender e que façam sentido de imediato podem ser a diferença entre a rejeição, a consideração ou a completa virada de chave na forma como as vacinas são percebidas pelo público.
“Tínhamos uma vacina e, no começo, comunicávamos sobre HPV. Mas a maioria das pessoas não sabem o que é HPV, e acabamos perdendo a atenção. Quando reposicionamos a comunicação para algo simples, usando a palavra câncer, tudo mudou. Todo mundo sabe o que é câncer. Quando dizemos “existe uma vacina contra câncer”, a mensagem é clara, direta e desperta interesse imediato”, explica o diretor.
O câncer de colo do útero ainda é um dos que mais mata mulheres no Brasil e, invariavelmente, soluções preventivas como a vacina tendem a circular com mais relevância somente quando a doença causa impacto – mesmo que indireto . “Quando a Ana Maria Braga revelou que enfrentou um câncer causado pelo HPV, a procura por informações aumentou. Infelizmente, muitas vezes é a tragédia que desperta a sociedade”, observa Cerino.
Ética e responsabilidade
Vender produtos complexos exige sensibilidade, nunca à custa da confiança do cliente.
Ao longo do painel, os três executivos foram unânimes em destacar a centralidade do consumidor como um limite ético. “A venda começa pela educação. Dar o máximo de informações possíveis é o que transforma uma venda difícil em uma decisão consciente. O limite ético está em respeitar a autoridade do consumidor”, afirma Kato.

A lógica defendida pela diretora de Marketing da Icatu ecoa na estrutura de compliance da MSD Brasil. “Todo material promocional criado para falar com o médico, para falar com a população, precisa ser embasado em estudos científicos. Há um conjunto de regras que guiam a maneira de comunicar e como fazer isso. Elas precisam ser cumpridas antes que uma informação vá para o material e chegue à população”, endossa Cerino.
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