Em diversos panoramas mercadológicos, a tecnologia substitui processos manuais de forma rápida e implacável. Especialistas e empreendedores destacam que o atraso na adoção de novas ferramentas é fatal para a prosperidade. Mas no mercado de luxo, a demanda por produtos feitos à mão está e continuará em alta por muito tempo – uma característica desafiadora e positiva ao mesmo tempo.
Desafiadora porque o artesanato de luxo enfrenta uma grave recessão no setor de recrutamento. 85% das grifes de luxo estão lidando com sérios déficits de trabalhadores em seus setores de produção, conforme aponta uma pesquisa divulgada pelo Comité Colbert e incluída no relatório Future of Luxury, idealizado pela Backslash, unidade de inteligência cultural da TBWA.

Estima-se que as empresas de bens de luxo precisarão empregar 346 mil profissionais em ofícios de alto nível nos próximos cinco anos, incluindo mais de 40 mil em moda e artigos
de couro, conforme indicado pela Altagema, outra participante do relatório Future of Luxury. O problema é agravado pelo fato de que essas profissões não são necessariamente atrativas para uma geração apaixonada por startups e horários de trabalho flexíveis.
Curiosamente, o fator geracional também aparece na parte positiva desta equação. O caráter artesanal do setor permite às marcas um alinhamento singular às demandas da Geração Z, cujos membros romantizam a lentidão e o valor do trabalho manual – algo pouco familiar e, portanto, intrigante para um grupo que foi criado na era da automação.

Buscando desvendar o futuro de marcas e consumidores no setor de luxo, Future of Luxury se debruça sobre seis tendências que deverão moldar a cadeia produtiva tanto para empresas consagradas, quanto para pequenos artesãos. Veja, abaixo, outras cinco projeções mapeadas pela Backlash em parceria com a 180 Luxe (braço da boutique criativa 180 Global) e a TBWA\CULT (nova divisão de marcas de luxo da TBWA\Itália):
Artesanato e tecnologia beneficiam rastreabilidade
A grande relevância dos processos manuais não fecha as portas para a tecnologia aplicada ao setor de luxo. Pelo contrário, a atratividade dos produtos feitos por grandes grifes eleva a demanda por processos rastreáveis, uma tarefa facilitada por ferramentas criadas para atestar a autenticidade de itens singulares, projetados para despertar sentimentos intangíveis e experiências excepcionais – atributos cruciais para o crescimento do setor nos próximos anos.
O problema mais urgente que impulsiona a necessidade de tecnologia rastreável são as falsificações. Estima-se que produtos falsificados representem 2,5% do comércio global, movimentando US$ 464 bilhões anualmente e causando sérios danos ao lucro e à reputação. Por sua vez, o blockchain está se tornando uma forma cada vez mais popular para as marcas reagirem aos prejuízos provocados por terceiros.

Um dos exemplos mais notáveis é o Aura Blockchain Consortium. Fundada pela LVMH, Prada e Cartier em 2021, a plataforma sem fins lucrativos cria um “gêmeo digital” para produtos de grife para que os clientes possam ter certeza de que sua compra é autêntica. Em maio de 2024, o Aura registrou mais de 50 milhões de produtos de luxo em seu blockchain privado, o que inclui produtos de mais de 40 marcas diferentes.
Além da necessidade prática de impedir falsificações, a realidade é que esse nível de rastreabilidade e transparência está se tornando a expectativa. Os compradores conscientes de hoje exigem informações completas sobre onde e como um produto foi feito, pressionando marcas a revelar detalhes sobre o processo de produção, dos materiais escolhidos em cada etapa às condições de trabalho oferecidas aos profissionais.
Imortalidade à venda
A busca pela fonte da juventude é tão antiga quanto a própria humanidade. Na última década, os esforços para prolongar a expectativa de vida deixaram de ser meramente filosóficos e se tornaram profundamente científicos, alimentando a esperança daqueles determinados a viver o máximo possível.
O grande obstáculo, porém, é que esses tratamentos experimentais não são acessíveis nem isentos de riscos. Ainda assim, os ultrarricos parecem não se incomodar: em 2022, mais de US$ 5,2 bilhões foram investidos globalmente na economia da longevidade, e mais da metade dos americanos de alto poder aquisitivo afirmam estar dispostos a participar de ensaios clínicos voltados ao prolongamento da vida.

De muitas maneiras, os tratamentos de longevidade se tornaram um novo símbolo de status. Celebridades como Kim Kardashian e Zac Posen ilustram isso ao compartilhar no Instagram seus exames de ressonância magnética corporal, que custam US$ 2.499,00 cada. Embora o American College of Radiology afirme que não há evidências documentadas de que esses exames sejam custo-efetivos ou eficazes para prolongar a vida, a tranquilidade que oferecem é inestimável para quem pode arcar com o preço.
Empresas de grande porte também estão lucrando com essa crescente demanda, marcando uma transformação de um mercado antes de nicho para um negócio amplamente visível. Um exemplo notável é a oferta da academia de luxo Equinox, chamada Optimize by Equinox. Pelo valor anual de US$ 40 mil, os membros passam por testes que analisam mais de 100 biomarcadores, desde a saúde renal até genes associados ao câncer.

Com base nesses dados, recebem um plano personalizado e têm acesso a sessões individuais com personal trainers, nutricionistas, instrutores do sono e massoterapeutas, totalizando 16 horas de acompanhamento mensal. Essa abordagem evidencia como a longevidade está se tornando não apenas uma aspiração, mas também um lucrativo estilo de vida.
Inovação coletiva
Ao longo da história do luxo, as marcas muitas vezes evitaram abrir suas portas para o mundo exterior, mantendo deliberadamente um ar de mistério e exclusividade. No entanto, com o avanço do modelo de negócios de código aberto em diversos setores, o mercado de luxo começa a adotar essa ideia. Uma abordagem significativa para promover essa transição está nas parcerias com empresas de ciência e tecnologia.
Um exemplo notável é a colaboração entre a Coperni e a NASA, que resultou na criação da Air Swipe Bag, uma bolsa transparente composta por 99% de ar e 1% de vidro. Esse acessório é o maior objeto já produzido com aerogel de sílica da NASA – o sólido mais leve do mundo – e exemplifica a fusão entre a moda e a ciência na criação de produtos inovadores, capazes de desafiar os limites das convenções tradicionais.

A sustentabilidade é outro pilar fundamental que impulsiona a inovação aberta no setor de luxo. A Gucci, por exemplo, inaugurou o primeiro hub de luxo circular na Itália, um marco que demonstra o potencial da economia circular. Localizado na Toscana, o Circular Hub inicialmente atenderá os fabricantes e fornecedores da Kering, mas posteriormente será expandido para toda a indústria local.
No segmento automotivo, a Jaguar Land Rover também deu um passo à frente com o lançamento do Desafio de Inovação em Sustentabilidade. A montadora busca engajar parceiros inovadores, startups e organizações na criação de soluções ecológicas para a mobilidade de luxo, liderando bons exemplos para mostrar como a colaboração pode moldar o futuro sustentável do setor.
O peso da história
Marcas de luxo sempre foram associadas à atemporalidade e tradição. E em um mundo marcado por tendências voláteis e por experiências digitais fugazes, marcas com raízes históricas profundas estão ganhando destaque. Essa rara sensação de permanência ressoa intensamente com consumidores cansados de modismos passageiros. Quando bem executada, a narrativa em torno de produtos históricos cria um valor inestimável.
Um exemplo disso é a Macallan, renomada marca de uísque escocês single malt, que comercializa edições limitadas de "história líquida" por impressionantes US$ 190.000. A coleção “Time: Space” celebra o bicentenário da marca e inclui uma garrafa de design exclusivo em formato de rosca contendo um uísque de 84 anos, o mais antigo e raro produzido pela destilaria.

No centro da garrafa, há ainda um frasco de 375 ml de um single malt de cinco anos, destilado em 2018, marcando o lançamento do novo campus da fabricante. Não é apenas a qualidade do uísque que justifica o preço exorbitante, mas sim sua profunda conexão com a história e a tradição da marca, criando um vínculo emocional com os consumidores e reforçando seu valor no mercado de luxo.
Interfaces vivas
As fronteiras entre as interações online e offline estão se tornando cada vez mais tênues. Isso é particularmente evidente no setor de luxo, onde vitrines físicas e consultores de vendas tradicionais estão se integrando com mundos virtuais e aplicativos para oferecer uma experiência mais unificada ao cliente. Um exemplo dessa tendência é o aplicativo da Louis Vuitton, que reúne comércio eletrônico, conteúdo editorial exclusivo e elementos de redes sociais em uma única plataforma.
Olhando para o futuro, espera-se que esses aplicativos e sites evoluam para serem ainda mais personalizados, graças às interfaces generativas. Essa nova classe de experiências digitais permite que layouts, funcionalidades e conteúdos sejam gerados dinamicamente em tempo real. Diferentemente das interfaces estáticas atuais, que são pré-desenhadas e fixas, as interfaces generativas utilizam inteligência artificial avançada para se adaptar e evoluir com base nas interações do usuário.

Para as marcas de luxo, isso abre portas para reimaginar experiências online rígidas e transformá-las em interações fluidas, semelhantes a conversas bidirecionais. Além de possibilitar compras personalizadas, essas tecnologias permitirão a criação de plataformas altamente nichadas, projetadas para atender a públicos específicos e entusiastas de determinados estilos de vida, oferecendo uma conexão mais profunda e significativa com os consumidores.
A palavra dos especialistas
Skyler Hubler, Estrategista Cultural Sênior da Backslash, destaca que o relatório questiona paradigmas tradicionais do luxo e aponta oportunidades-chave para a disrupção, examinando a complexa interação entre tecnologia e tradição, herança e inovação, ética e indulgência.
Laurent François, Sócio-Gerente da 180 Luxe, ressalta que o relatório marca um ponto de inflexão na indústria do luxo, ilustrando como o artesanato é essencial para aumentar o valor percebido das marcas.

O profissional ressalta que as comunidades de mídias sociais estão se tornando os novos guardiões da autenticidade, amplificando histórias dos artesãos e transformando o artesanato em momentos culturais compartilhados.
Camila M. Costa, CEO e sócia da iD\TBWA, enfatiza que o futuro do mercado de luxo no Brasil e na América Latina será moldado pela combinação de tecnologia, inovação e criatividade, alinhadas ao desejo humano por experiências transformadoras.

Ela destaca que o luxo do futuro não será apenas sobre produtos, mas sobre personalização, histórias, experiências e significados que ressoem com os valores e aspirações dos consumidores contemporâneos.
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