Recentemente passei por uma síndrome do impostor tão grande que me fez questionar se sabia o básico da propaganda – o que é e como se faz. Foi nesse momento de autossabotagem que resolvi fazer um movimento que aprendi no mestrado. Lá era sempre provocado a resgatar os textos clássicos da sociologia e antropologia para entender como fazer pesquisa. Muitas vezes fiz isso para sair do lugar de desorientação com essas ciências. Resolvi fazer o mesmo com a publicidade.
Peguei um livro, que achei em um sebo no Rio de Janeiro há uns 4 anos – Adland: A Global History of Advertising, de Mark Tungate. Nunca tinha lido porque, diante do nome, acreditava que seria uma leitura bem chata. Ledo engano. E foi no primeiro capítulo que achei o retorno aos clássicos que tanto queria.
Se pudesse resumir o principal aprendizado que esse capítulo me trouxe diria que a publicidade se desenvolveu para surpreender consumidores criativamente, construindo uma percepção sobre um produto e respondendo aos desafios e problemas de negócio enfrentados pelas empresas. Para isso acontecer, primeiro buscamos a mensagem, depois a linguagem que gera conexão, valor e diferenciação; e, terceiro, mostramos aos consumidores nos canais em que estão.
Quando a gente lê sobre as primeiras estratégias criativas no início do século XX, este pensamento reforça por si só. Vou citar alguns:
O primeiro é da marca de gordura animal Cotosuet, um tipo de produto novo no mercado e precisava mostrar às consumidoras que tal gordura era um substituto efetivo da manteiga nas receitas tradicionais. Como resposta a esse problema, a agência decidiu fazer vários bolos gigantes com a Cotosuet e colocar nas vitrines das maiores lojas de departamento da cidade. A mensagem vinha num cartaz, mas o que surpreendia era constatação da eficácia do produto num bolo lindo e gigante.
O segundo exemplo é da marca Arrow, fabricantes de camisas e colarinhos masculinos. O caso surpreende os consumidores por ressignificar o lugar das camisas sociais na cultura popular. Com a pulverização de marcas pret-à-porter era importante criar uma ideia de distinção a partir de uma Arrow. Foi então que desenvolveram o “Homem Arrow” numa série de ilustrações que retratavam figuras masculinas altivas, elegantes, provocantes e despretensiosos. Estes ícones eram tão desejados que a agência recebia pedido de mulheres em cartas querendo conhecer os tais homens referenciados nos desenhos.
Percebam! O ponto de partida é sempre quebrar uma barreira de invisibilidade e SURPREENDER OS CONSUMIDORES.
Vocês devem pensar: por que resgatar os clássicos se tanta coisa mudou? Olhem o digital. Vejam o TikTok, o ChatGPT e o Midjourney batendo à porta.
Todas as novidades – sejam tecnologias, canais ou pensamentos – nos deixam ansiosos. Quando essas novidades abafam o essencial, somos levados a imaginar que as bases mudaram. Mas não se enganem, não mudaram. Todas essas novidades nos ajudam a fazer a propaganda conectar com consumidor contemporâneo; nos apoiam no encontro de novas soluções; e a medirem o sucesso das iniciativas de comunicação. Porém, são complementos e não novas essencialidades.
O consumidor quer se conectar com marcas agregadoras em autenticidade à sua imagem. Por isso, o que faz uma marca ser lembrada, construir percepção e trazer sucesso à longo prazo, sempre será a soma da linguagem - mensagem, códigos visuais, benefícios - com a surpreendente captura criativa. E o tal do insight criativo será o elemento surpreendente que permitirá quebrar a barreira de invisibilidade / do lugar comum que o consumidor colocou na frente de nossos produtos.
Em resumo, o que fica é que o papel de todos esses complementos será encontrar um meio para construir uma história que surpreenda e chame a atenção.
Ufa! É reconfortante voltar aos clássicos e perceber que as bases dessa coisa que chamamos de publicidade não mudou. Não deveríamos nos perder disso.
*Yuri Alcantara é gerente de Planejamento da Artplan.
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