Na minha estreia como colunista aqui no Mundo do Marketing, escrevi sobre por que tantas estratégias de ABM falham. E como falham, infelizmente…
Agora, quero ir ainda mais direto ao ponto: o que realmente faz uma estratégia de ABM ter sucesso?
Eu tenho a sensação de que a prática de ABM ainda é muito rasa em muitas empresas. Mas, obviamente, isso não é por mal.
Vejo muita gente querendo implementar ABM hoje e aumentar as vendas na semana que vem. Seria uma joia, né? Mas isso, óbvio, não acontece - afinal, precisamos nos lembrar de que estamos falando de vendas COMPLEXAS, com ciclo de venda LONGO, com MUITAS pessoas envolvidas, e ALTO risco envolvido.
Não tem bala de prata aqui :/
Isso não acontece porque ABM é muito mais do que fazer um “evento de ABM” pontual, sem nem saber como continuar o relacionamento com os leads depois. É bem mais do que enviar um brinde para as contas-alvo e esperar que elas assinem o contrato como forma de agradecimento. E por aí vai.
ABM é uma mentalidade de longo prazo, voltada para vendas complexas centradas em grandes contas, que envolve todo o go-to-market e todos os times conectados a ele e que humaniza e personaliza as relações B2B para guiar o crescimento das empresas.
Para evitar frustrações com execuções de ABM que não dão certo, precisamos tratá-lo como uma jornada contínua, e não como uma "play” pontual, desconectada e sem começo e nem fim.
Agora, para trazer essa mentalidade para a realidade, precisamos compreender a lógica que faz com que o crescimento baseado em contas seja tangível e intencional.
Pensando nisso, depois de estudar, testar e adaptar frameworks que consultei várias fontes que são autoridade em ABM (como Gartner, Forrester, Terminus, DamandBase, Engagio, etc) eu criei meu próprio framework de trabalho, que ajuda a estruturar ABM de uma forma mais visual conectada e fácil de implementar.

Account-based go-to-market framework
Onde esse framework difere dos demais?
Em primeiro lugar, esse framework difere em escopo: Não por menos, eu acabei dando a ele o nome de Account-Based go-to-market (GTM) Framework, porque ele não envolve só marketing - envolve vendas, CS, produto e todas as áreas que fazem parte e geram valor direta ou indiretamente na jornada do cliente.
Em segundo lugar, esse framework difere na lógica. Bons frameworks são intencionais e lógicos: há uma razão lógica para cada elemento estar onde está, conectado com o que está e na ordem em que está. Essa lógica se baseou justamente nos modos de falha que abordei no artigo anterior, para que não aconteçam mais. Olha só:
NO CENTRO, eu tenho o Perfil de Cliente Ideal. Precisamos centrar toda a estratégia e operação em torno dessa compreensão.
No lado ESQUERDO, eu tenho o Ambiente Interno, que corresponde ao alinhamento estratégico da empresa e da proposta de valor para seu ICP (e a proposta de valor está entre o ICP e a estratégia da empresa de propósito também.
No lado DIREITO, eu tenho o Ambiente Externo, composto pelas contas-alvo que estão alinhadas com o ICP definido e também com o ecossistema externo (stakeholders, canais, parceiros) que também da parte da jornada do cliente e com quem temos a oportunidade de nos conectar para gerar mais valor aos clientes.
O centro e os lados esquerdo e direito estão no meio do framework porque são a base de toda a estratégia e execução. Se mudamos o centro, precisamos revisar o restante.
Na BASE, conectando tudo, eu tenho a gestão integrada a partir da jornada do cliente, que, pra mim, é a principal ferramenta de gestão de uma estratégia. É sobre conectar a empresa em torno da visão dos clientes. É na jornada que conectamos processos, ferramentas e tecnologias, integramos times, definimos indicadores, analisamos dados e identificamos oportunidades de melhorar a experiência do cliente.
No TOPO, finalmente, de forma cíclica com a jornada, eu tenho o a operação contínua que garante o crescimento sustentável, que simboliza os elementos que viabilizam a execução da estratégia criada. Aqui entra a estratégia de relacionamento com os clientes, o planejamento por contas, as campanhas que serão testadas e validadas para atrair e expandir o relacionamento com os clientes e, por fim, a gestão do conhecimento e a melhoria contínua da operação.
A partir dessa lógica, eu amarro o sucesso de ABM com sete elementos fundamentais que, quando bem implementados e bem integrados, transformam ABM de um conceito bonito no papel para uma estratégia robusta e eficaz na prática.
Para você entender melhor tudo isso, quero explicar um pouco do porquê, do como e do porquê de cada elemento ali presente. Vamos a eles?
Alinhamento estratégico
O que é: Para começar uma estratégia de ABM, temos que colocar todo mundo no mesmo barco - seja líder, liderado ou equipe. Isso significa garantir que todas as áreas envolvidas na estratégia (CS, Marketing, Produto, etc) estejam alinhadas no porquê, no como e no que envolve essa abordagem.
Por que é importante: Diferentes visões levam a diferentes estratégias, que levam à inconsistência em ABM. Sem alinhamento estratégico, ABM se torna apenas um conjunto de táticas soltas, desintegradas, sem impacto real no crescimento. A falta dela pode aumentar a desintegração entre as áreas envolvidas, falta de clareza sobre o que priorizar e, por consequência, inconsistências na jornada dos clientes.
O que não pode faltar:
- Construir um bom business-case para convencer as áreas, suas lideranças e times a apoiar e trazer ABM para empresa;
- Conquistar o apoio e engajamento de cada liderança de área (marketing, vendas, CS, produto…) conectando ABM aos diferentes contextos, necessidades e objeções de cada uma delas.
- Iniciar a jornada de ABM já com o envolvimento de todas as áreas, alinhando expectativas, objetivos e resultados-chave e plano de trabalho de forma consistente e integrada.
Perfil de cliente ideal
O que é: Colocar os clientes no centro também é entender que alguns são mais valiosos do que outros para o negócio. O perfil de cliente ideal é aquele para quem seu negócio tem mais potencial de gerar valor mútuo. Mas o ICP não é uma lista genérica de contas que parecem boas no papel. É uma segmentação precisa e baseada em dados e conhecimento profundo das características, necessidades, contexto e comportamento das empresas mais valiosas e das personas que dela fazem parte.
Por que é importante: Quem quer ser tudo pra todo mundo, não é nada pra ninguém… Por isso mesmo, sem um ICP bem definido, o risco é gastar tempo e recursos com contas que nunca vão se converter, ou que, se converterem, não ficarão por pouco tempo e não gerarão valor ao negócio. Um bom ICP direciona foco e esforço para atrair e expandir o relacionamento com as contas-alvo de maior valor. Além disso, sem uma boa definição de ICP, a personalização das abordagens fica comprometida, tornando as interações menos personalizadas, relevantes e eficazes.
O que não pode faltar:
- Priorização de clientes a partir do maior potencial de geração de valor mútuo (valor para o negócio e valor para o cliente);
- Análises de extremos (e não só das médias) dos piores e melhores clientes;
- Criação de critérios para segmentação mensuráveis para alinhar a qualificação;
- Conhecimento em profundidade das personas.

Um bom ICP maximiza valor para o negócio e valor para clientes.
Proposta de valor
O que é: Não há estratégia de ABM que se sustente sem uma solução que de fato gere valor e tenha fit com grandes contas dentro do ICP. É a razão pela qual os clientes escolhem um produto ou serviço, ou seja, o que o seu negócio promete resolver para eles. Gerar valor para grandes contas é bem mais complexo do que para uma empresa menor e precisa partir do problema para encontrar uma solução que essas contas realmente precisam. Exige um serviço personalizado e uma experiência impactante e diferenciada ao longo de toda a jornada dessas contas - o que começa muito antes e termina muito depois do momento de compra e venda.
Por que é importante: Não há estratégia de ABM que escale uma solução que não resolve a necessidade de alguém. Estamos falando com contas estratégicas, que já são bombardeadas por abordagens genéricas todos os dias. Por isso, a proposta de valor precisa estar clara, validada e endereçar verdadeiramente as necessidades dos clientes. Imagina só realizar todos os esforços para conquistar as contas e perceber que, na verdade, não existe fit? Uma proposta de valor bem definida e alinhada diminui esse risco e aumenta a conversão ao longo da jornada.
O que não pode faltar:
- A proposta de valor e o product-market fit precisam estar validados para grandes contas;
- Pode (e deve) ter diferentes níveis de personalização de acordo com cada agrupamento ou Tier de ICP.
- Deve gerar valor de forma consistente ao longo de toda a jornada de grandes contas;
- Precisa estar alinhada entre todas as áreas.
Pesquisa de contas-alvo
O que é: Contas-alvo são as empresas específicas que estão dentro do ICP e que serão priorizadas na estratégia de ABM. Ao invés de atrair na quantidade, as contas-alvo direcionam a qualidade do funil de negócios. Elas são mapeadas e qualificadas a partir dos critérios definidos no ICP, que consideram as características, necessidades, contexto e comportamentos das empresas e das pessoas que dela fazem parte. Por isso mesmo, mapear essas contas não é algo tão simples como pegar uma lista da Fortune 500. É sobre encontrar e se aprofundar nas contas-alvo que realmente têm maior potencial de geração de valor para a empresa.
Por que é importante: A lista de contas-alvo é base de toda a estratégia de ABM e, por esse motivo, sua definição (e constante atualização) precisa de atenção e alinhamento. Sem um processo de pesquisa bem-feito, as ações de ABM podem ser direcionadas para contas que não estão prontas para comprar ou que não têm real necessidade da solução. A priorização errada pode levar a ciclos de venda longos e frustrantes, enquanto contas realmente qualificadas ficam sem a devida atenção.
O que não pode faltar:
- Seleção de contas a partir dos critérios de ICP;
- Definição do tier e do estágio de cada conta na jornada;
- Aprofundar o conhecimento sobre essas contas e os contatos-chave dentro delas (por meio de pesquisas, Linkedin, ferramentas de inteligência de mercado, etc) para gerar insights valiosos para atraí-las, engajá-las e avançá-las na jornada;
- Documentar, gerir e alinhar o conhecimento dessas contas com todas as áreas (a começar por um CRM impecável).

Mapeamento e gestão de contas-alvo ao longo da jornada.
Mapa de ecossistema
O que é: As decisões de compra raramente são tomadas sem influência externa. Sendo assim, empresas parceiras também são empresas que queremos atrair, testar e, dando tudo certo, expandir o relacionamento. O mapa de ecossistema ajuda a entender quem são essas empresas parceiras, bem como as pessoas influenciadoras - e como se conectar com cada uma.
Por que é importante: Muitas estratégias de ABM falham porque focam apenas no decisor final, ignorando outros stakeholders que podem barrar ou impulsionar a decisão. Um bom mapa de ecossistema permite um olhar mais sistêmico das jornadas, trazendo novas rotas de possibilidades para deixar a organização mais integrada ao seu entorno e, portanto, mais resiliente.
O que não pode faltar:
- Definição e mapeamento de perfil de parceiro ideal: assim como é feito com o ICP, é preciso definir os critérios que qualificam parceiros com maior potencial de geração de valor para clientes.
- Construir uma proposta de valor para parcerias: toda parceria, para funcionar, precisa ser um ganha-ganha. Então, antes de propor, é importante construir essa proposta de valor.
- Criar e executar o funil de parcerias para fazer a gestão do relacionamento com organizações parceiras ao longo do tempo.

Mapa de Ecossistema: para identificar e alavancar parcerias que gerem valor ao cliente.
Gestão da jornada de ABM
O que é: ABM não é só sobre conquistar contas-alvo, mas sim sobre criar uma jornada fluida e sem atritos para que essas contas avancem no funil e se tornem clientes de longo prazo - e isso vai muito além do momento de compra e venda.. Por isso, em ABM, jornadas são ferramentas de gestão do avanço do relacionamento (e da confiança) das contas-alvo. Com as jornadas, podemos projetar o serviço e as interações a partir do que importa e gera valor para as contas em cada etapa, podemos alinhar o conhecimento e facilitar o alinhamento com outras áreas e podemos medir e identificar oportunidades de melhorar a experiência e a geração de valor em cada etapa também. Desde o primeiro contato até a conversão e retenção, cada ponto de interação deve ser planejado para agregar valor e construir relacionamento.
Por que é importante: Se a jornada dos clientes não for bem planejada, o engajamento vai se perder no meio do caminho. Não adianta atrair as contas certas, mas não conseguir mantê-las engajadas depois. Não adianta ter um produto bom, mas a experiência antes e depois da compra e venda for ruim. Uma experiência fragmentada pode fazer com que uma conta-alvo desista da solução antes mesmo de tomar uma decisão ou se frustre depois da compra. Gerenciar bem essa jornada garante que cada ponto de contato agregue valor e reforce a proposta da empresa.
O que não pode faltar:
- Mapa de jornada como a principal ferramenta de gestão da empresa;
- Alinhamento das áreas sobre a perspectiva dos clientes;
- Medir o que importa na jornada, com KPIs que mostram o avanço dos clientes na jornada;
- Identificar oportunidades de crescimento a partir do que importa para o cliente.
Crescimento sustentável
O que é: ABM não pode ser tratado como uma estratégia de curto prazo ou como plays isoladas apenas para conquistar novos clientes. Para gerar impacto real, precisa estar conectado a um plano de crescimento realmente sustentável. Isso significa que, além de fechar novos negócios, é essencial expandir contas existentes, construir relacionamentos duradouros e criar uma base de clientes defensores da marca.
Por que é importante: Muitas empresas iniciam ABM com esforços pontuais no início, sem definição clara de papeis e responsabilidades, mas as plays não sustentam o seu resultado ao longo do tempo. Cada interação e cada play é um experimento que precisa ter começo, meio e fim, que serve como aprendizado e que devem se conectar e, com os aprendizados, ajustar a jornada de acordo com o que importa para as contas-alvo. Sem um modelo sustentável, o crescimento fica instável e dependente de ciclos curtos de aquisição. A chave para o sucesso de ABM no longo prazo é garantir que as contas conquistadas continuem crescendo, renovando contratos e ampliando a parceria com a empresa. Além disso, um ABM bem implementado gera indicações e abre portas para novas oportunidades dentro do ecossistema das contas-alvo.
O que não pode faltar:
- Estratégia de relacionamento com as contas para além da aquisição;
- Operação contínua de construção e execução das plays;
- Personalização na jornada de ponta a ponta;
- Melhoria contínua da estratégia.
ABM não é sobre atalhos ou ações isoladas – é sobre construir relações estratégicas, aprofundar o entendimento sobre as contas certas e criar um processo estruturado para gerar crescimento sustentável.
Esses sete elementos apresentados no meu framework são frutos de muitos erros e aprendizados que eu vivi em quase 10 anos trabalhando com ABM.
Longe de ser uma fórmula pronta para replicar, na verdade, ele emula uma mentalidade que coloca os clientes certos no centro dos negócios B2B:
>> Sempre começar pelo porquê, garantindo que todo mundo está na mesma página. (1)
>> Depois, entender e priorizar esforços na direção dos clientes cujo problema queremos resolver. (2)
>> A partir disso, definir uma proposta de valor que realmente resolve as necessidades dos clientes de ponta a ponta. (3)
>> Em seguida, direcionar os esforços para as contas-alvo mais valiosas para o negócio (4)
>> De forma conectada com o ecossistema à sua volta e à dos clientes (5)
>> Fazendo a gestão dessa entrega de valor durante toda a jornada de relacionamento com as grandes contas (6)
>> Desdobrando e adaptando continuamente a estratégia para melhor atrair, evoluir o relacionamento e a confiança com as contas-alvo dentro do ICP da empresa.
Sempre que vi ABM falhar, nunca foi porque uma ou outra play falhou. É porque pelo menos um (ou mais) desses elementos falhou na estratégia e na operação:
É porque não houve alinhamento interno entre as áreas, lideranças e pessoas necessárias para viabilizar
É por que não foi investido tempo suficiente para identificar e compreender profundamente o ICP da empresa;
É porque não havia uma proposta de valor validada para grandes contas;
É porque não foi feito um bom mapeamento e aprofundamento de contas-alvo dentro do ICP e dos seus contatos-chave;
É porque a empresa não soube se conectar e aproveitar o ecossistema em torno das contas-alvo;
É porque não soube compreender e se conectar gerando valor ao longo de toda a jornada de clientes;
E é porque não soube viabilizar uma operação de crescimento sustentável que desdobrasse essa estratégia na prática em todo o GTM da empresa.
Eu sou apaixonada por ABM. Ela é a base da humanização e centralidade no cliente no B2B e é fundamental para todo negócio que deseja perseverar e crescer o impacto.
E é uma lógica bem óbvia, né? Mas quantas empresas, de verdade, rodam em cima dessa lógica óbvia de verdade? Não há nenhuma fórmula pronta e nem tecnologia salvadora aqui - e, assim como muita gente, eu já errei um monte e me frustrei com um monte de conteúdo raso e hack milagroso que não dá certo.
Por isso mesmo, eu transformei meus estudos, testes, erros, acertos, aprendizados e histórias de sucesso em algo para ajudar profissionais a não passar pelas mesmas frustrações. Assim como faço em meus conteúdos, cursos e mentorias, quero compartilhar e ajudar mais profissionais a crescer a desdobrar esses elementos - com cases, ferramentas e aprendizados que ajudam a tirar ABM do papel e trazer resultados reais.
Nos próximos artigos aqui no Mundo do Marketing, quero me aprofundar em cada um desses elementos com você. Até a próxima!
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