A ideia de que um CEO ocupa o centro da narrativa da marca nos parece razoavelmente assimilada. Há algumas semanas, uma vaga inédita publicada pelo PayPal deu um nó na cabeça de muita gente. O cargo? Head of CEO Content. Não era Head of Marketing nem Head of PR. Tratava-se de um cargo gerencial para lidar com o conteúdo de uma única pessoa.
Com salário de seis dígitos anuais, a posição foi criada para garantir que o CEO da empresa, Alex Chriss, tenha uma presença estratégica, consistente e humana em suas próprias redes. Trocando em miúdos, um profissional dedicado exclusivamente a cuidar da marca pessoal de um líder e, por consequência, da reputação da organização.
Pode soar como curiosidade de mercado. Na verdade, representa um símbolo. O que há poucos anos era um movimento restrito às agências de marketing pessoal está virando a melhor prática. O anúncio do PayPal não inaugura tendência, a legitima.

O declínio da mídia tradicional e o poder do indivíduo
Por décadas, o fluxo da comunicação corporativa foi linear. A empresa contratava uma assessoria de imprensa, que produzia um press release, enviava a jornalistas, e aguardava espaço em veículos de massa. A engrenagem resiste, mas com impacto e alcance limitados.
Não é raro ver presidentes de grandes bancos, indústrias ou startups divulgando seus balanços diretamente no LinkedIn antes de falar com a imprensa. O furo deixou de nascer na redação, agora é ferramenta do perfil pessoal do líder da empresa.
Estar na capa da Forbes é uma vitória que poucos líderes alcançam. O público, entretanto, só fica sabendo dessa conquista quando o líder posta essa imagem em suas redes sociais, não por comprarem a publicação na banca de jornais.
O Digital News Report 2025, do Reuters Institute, confirma que a mídia tradicional perdeu o monopólio da atenção e as pessoas têm consumido notícias longe da imprensa. Mais da metade (54%) do público norte-americano prefere as redes sociais à TV quando o assunto é jornalismo.
Com 92 mil entrevistados em 48 países, o levantamento mostra que cerca de um terço da amostra global usa o Facebook (36%) e o YouTube (30%) para se informar toda semana. Já o Instagram (19%) e o WhatsApp (19%) são o destino de um quinto dos entrevistados, enquanto o TikTok (16%) segue à frente do X (antigo Twitter), com 12%.
As novas gerações trocaram jornais e revistas, telejornais e até sites de notícia para se informarem no feed, que também é feito de pessoas.
Na mesma direção, o Edelman Trust Barometer 2025 detectou uma erosão na confiança em lideranças formais, especialmente quando o discurso soa institucional e distante.
Sob a percepção de que líderes “mentem deliberadamente” (no Brasil, 72%), exige-se coerência entre fala e ação. Ao mesmo tempo, o estudo expõe uma distinção crucial: a confiança recomposta diante da liderança próxima — “meu CEO” registra 70% de confiança no Brasil, enquanto “CEOs em geral” ficam em 53%.
Em contextos de alto ressentimento, títulos formais importam menos enquanto empatia e compreensão pelo que “pessoas como eu” pensam influem mais na legitimidade. A liderança então segue importante, mas perdeu o privilégio da distância.
Não se confia no ocupante de um cargo, mas na presença, escuta e consistência pública do líder. É exatamente aqui que a profissionalização do CEO como mídia se torna necessária. Não para “falar mais”, mas para inspirar melhor, com autenticidade comprovada por ação.

O CEO como social media: um velho hábito em um novo corpo
Ser um líder comunicador não é novidade. O ineditismo reside no nível de profissionalização envolvido. Afinal, espera-se do CEO a função de porta-voz. Só que a forma mudou. Antes, bastava dar entrevistas, participar de eventos e assinar artigos esporádicos. Agora, o líder precisa entender de algoritmo, narrativa, frequência e relevância.
A vaga do PayPal expôs esse salto institucional. Não cabe improviso. O Head of CEO Content é o ghostwriter que deixou as sombras. É o estrategista de reputação que atua em parceria com PR, marketing e comunicação corporativa para transformar a voz do CEO em um sistema de mídia próprio. Cabe lembrar que a margem de erro é pequena. Por isso, melhor essa caminhada ser acompanhada de perto por diversos profissionais da comunicação.

Entre a visibilidade e o risco
Toda exposição supõe um risco. Quando o líder se torna mídia, cada palavra é potencialmente um evento reputacional, como experimentou em 2018 Elon Musk.
Ao publicar de forma jocosa no Twitter que pretendia tirar a Tesla da bolsa por U$ 420 por ação, levou o caos para a empresa e os acionistas. Em poucos caracteres, Musk descobriu que uma piada com o horário "4:20” poderia sair muito cara.
Sua mensagem fez o preço das ações disparar, provocou uma investigação da SEC, a agência que regula o mercado financeiro nos Estados Unidos, causou uma multa milionária, além da perda temporária da presidência do conselho da Tesla.
O negócio, claro, jamais se concretizou, mas o episódio mostrou o poder de um líder que comunica sem critério e sem intermediação.
Luis von Ahn, CEO do Duolingo, passou apuro semelhante. Ao publicar no LinkedIn sobre o uso predominante de IA na empresa com ajustes na equipe, gerou reação negativa em massa e precisou vir a público para salientar que “não foi bem isso que quis dizer”. É a prova de que o tom importa tanto quanto o conteúdo.
Por outro lado, há exemplos de equilíbrio. Satya Nadella (Microsoft) usa o LinkedIn para divulgar reflexões sobre cultura, inovação e propósito, com voz pessoal e institucional ao mesmo tempo. Tim Cook (Apple) comunica valores como sustentabilidade e acessibilidade em tom humano e controlado. Marc Benioff (Salesforce) transforma causas sociais em narrativa corporativa, posicionando-se sobre temas como diversidade e meio ambiente.
No Brasil, os casos de sucesso são ainda mais evidentes. João Adibe, da Cimed, se tornou personagem midiático ao levar sua própria imagem para as redes sociais, palcos e programas populares de TV. Ele condensou marketing pessoal e corporativo na mesma estratégia de visibilidade e virou um dos principais "CEO influencer” do país.
Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, mostra números, bastidores e até momentos da maternidade para humanizar a marca. E, mesmo Alexandre Costa, da Cacau Show, que já enfrentou crises de comunicação por falas apressadas, segue reconhecido como um case de protagonismo pessoal, um empresário que consolidou uma narrativa própria a ponto de ser maior do que qualquer tropeço pontual. Afinal, quem não arrisca, não petisca.

O novo ecossistema da comunicação executiva
A profissionalização dessa prática transformou o mercado em torno dela. Agências de PR, marketing e branding se reconfiguram para atender à demanda crescente por executive content. Hoje, além de assessoria de imprensa, essas empresas oferecem curadoria de imagem, media training, podcast training, gestão de LinkedIn e estratégias de thought leadership.
A voz do CEO passou a ter equipe, orçamento e métricas. E isso muda a relação entre comunicação e liderança. Não basta publicar quando sobra tempo. É preciso presença constante, planejamento, propósito e preparo técnico.
Essa convergência de disciplinas — comunicação corporativa, marketing digital e Marca Pessoal — deu origem a um novo tipo de serviço: a gestão integrada da reputação executiva. O mesmo que o PayPal oficializou para o mundo e acabou viralizando como se fosse algo de outro mundo.

Ética e coerência na era da transparência
Com maior poder vem maior responsabilidade. A sociedade cobra posicionamento e espera integridade. Um líder do agronegócio precisa de discurso sobre sustentabilidade e trabalho análogo à escravidão. Um executivo do setor alimentício tem de entender o debate sobre produtos ultraprocessados. Um gestor de tecnologia deve reconhecer o impacto social da IA.
A neutralidade é uma escolha, devidamente percebida como posicionamento. A frase “quem lacra não lucra” sintetiza bem o dilema: o equilíbrio entre expressão pessoal e responsabilidade institucional é fino e, muitas vezes, imprevisível.
Não se trata de censura, mas de contexto. No ambiente corporativo, cada opinião pública precisa considerar investidores, clientes, fornecedores e colaboradores de diferentes visões. Um erro pode custar contratos e carreiras. Nem todo mundo é grande como Elon Musk e Donald Trump. O presidente dos EUA fundou a sua própria rede social, onde fala sem filtro com seus eleitores e líderes globais. A reflexão é clara: você tem bilhões de dólares na sua carteira para se dar o luxo de errar?

O manifesto de uma nova era
Essa transformação é irreversível. A visibilidade virou um ativo de negócio. Um CEO invisível é um CEO vulnerável porque, na ausência da sua voz, outros falarão por ele. E num mundo de desconfiança e polarização, quem não se posiciona perde relevância.
"Mas eu sou apenas o fundador de uma startup, tenho poucos seguidores, nunca vou conseguir esse alcance”, é um pensamento recorrente para muitos jovens líderes. Justamente neste ponto as consultorias de marca pessoal têm um papel a desempenhar. Se o jovem CEO não tem tempo para observar seus pontos fortes, precisa, como fez o PayPal, achar uma profissional que o faça.
Todo mundo tem a habilidade de mergulhar na própria marca pessoal e se tornar o líder da própria narrativa. Whindersson Nunes, garoto do interior do Piauí sem capital social ou financeiro, construiu sozinho uma audiência maior do que a de muitos conglomerados de mídia. Casimiro, que fazia lives da escrivaninha de sua casa, hoje compete com a Globo em alcance e influência.
A frase “o CEO é a nova mídia”, portanto, não é slogan, é diagnóstico. O líder corporativo será, cada vez mais, um comunicador. Sua marca pessoal é a extensão da marca que ele dirige. Sua forma de falar, e o que escolhe não dizer, será percebida como posicionamento estratégico.
As organizações precisam investir não apenas em produtos e campanhas, mas em narrativas humanas, em líderes que inspiram e dão rosto à empresa. As que resistirem, que se aferrarem ao marketing com foco em vendas, continuarão esperando o jornalista ligar pedindo entrevista enquanto os concorrentes constroem comunidade, reputação e confiança.
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