Toda grande região produtora de vinhos tem uma uva que a representa. A França tem a Cabernet Sauvignon e a Pinot Noir, a Itália exibe o prestígio da Sangiovese, a Argentina conquistou o mundo com a Malbec e a África do Sul criou sua identidade com a Pinotage — variedade desenvolvida no próprio país e símbolo de um terroir único. O Brasil, no entanto, ainda está à procura da sua uva-símbolo: aquela capaz de traduzir o clima, o solo e o gosto do consumidor brasileiro em um vinho com identidade própria e potencial enológico reconhecido.
Essa busca tem mobilizado produtores e pesquisadores. Nas últimas décadas, a Embrapa tem investido na criação de cultivares adaptadas às condições locais, como a ʻRúbeaʼ (cruzamento entre Niágara Rosada e Bordô) e a ʻCarmemʼ (cruzamento entre BRS Rúbea e Muscat Belly A). São uvas que demonstram a capacidade da ciência nacional em gerar soluções vitícolas adaptadas, resistentes e produtivas. Entretanto, embora importantes, essas variedades ainda estão mais associadas a vinhos de mesa e sucos, representando um ponto de partida, não o ponto de chegada, na busca por uma casta brasileira de excelência enológica.

O verdadeiro desafio está em encontrar uma uva que una qualidade sensorial, equilíbrio e tipicidade, capaz de produzir vinhos de expressão genuinamente brasileira — com identidade e valor percebido tanto no mercado interno quanto internacional. Essa busca ultrapassa o campo técnico: ela envolve entender o paladar do consumidor, explorar novas regiões vitícolas e valorizar a diversidade de climas e solos do país.
Neste sentido, o interesse crescente dos consumidores por produtos que valorizam a origem e a autenticidade tem estimulado as marcas a se aproximarem dessa narrativa. No setor de bebidas, empresas estão explorando potencial de uvas desenvolvidas no Brasil como argumento de diferenciação e valorização nacional. É uma forma de destacar não apenas a qualidade do produto, mas o investimento em pesquisa e sustentabilidade por trás dele. Essa valorização do terroir brasileiro também reforça uma tendência global: a busca por vinhos que expressem identidade, e não apenas tradição.

A história recente mostra que países que conseguiram criar uma variedade-símbolo fortaleceram toda a cadeia produtiva, da agricultura ao marketing. A Pinotage, na África do Sul, é um exemplo, um cruzamento entre Pinot Noir e Cinsault que se transformou em sinônimo de inovação local e orgulho nacional. Assim como a África do Sul encontrou na Pinotage um símbolo de inovação e orgulho nacional, o Brasil caminha para descobrir sua própria expressão varietal.
Quem sabe não seja um vinho que fale português em todos os sentidos, da genética ao aroma, do terroir à taça? Mais do que uma questão técnica, essa busca é também simbólica. Encontrar a uva-símbolo do Brasil é afirmar uma identidade produtiva e cultural no cenário mundial dos vinhos, principalmente para os de mesa, que ainda carece da diversidade existente entre vinhos finos. As cultivares desenvolvidas nacionalmente, como Carmem e Rúbea, mostram que essa história está sendo escrita agora, cacho a cacho, garrafa a garrafa. E as marcas que souberem interpretar esse movimento terão nas mãos não apenas um produto, mas um pedacinho do Brasil engarrafado.
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