“Oi, meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos, e R$ 1,042 milhão de patrimônio acumulado”.
Com essas palavras, a jovem Bettina Rudolph abria um dos vídeos “virais” de 2019 – que entrou para a posteridade como meme, mas nasceu como propaganda de uma grande casa de análise financeira.
A rapidez com que Bettina conquistou seu primeiro milhão foi tópico de conversas em todo o Brasil, mas as entidades que regulam os mercados financeiro e de capitais também foram ágeis para se atentar sobre importância dos influenciadores digitais para o setor, com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) dando os primeiros passos para a regulamentação dessa indústria já no final de 2023.
Esses movimentos não chegam a ser uma surpresa. Cada vez mais brasileiros usam as redes sociais como uma de suas principais, ou até a mais importante, fonte de informação. E o alcance dos chamados finfluencers cresce exponencialmente: de acordo com um estudo da própria ANBIMA, os influenciadores brasileiros voltados para o mercado financeiro contavam, em meados de 2023, com mais de 176 milhões de seguidores, ante um total de 74 milhões quando o estudo começou a ser realizado, em 2020.
Em um país no qual a maior parte da população ainda possui conhecimentos limitados sobre finanças pessoais, esses influenciadores podem desempenhar um papel relevante na difusão de informações sobre investimentos, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do mercado. Mas, é claro, pode haver algum participante que atue de forma menos escrupulosa, induzindo investidores a decisões desastrosas.
Evidentemente, tal risco existe em qualquer setor, não sendo uma exclusividade dos finfluencers. Contudo, no mercado financeiro, escândalos costumam ter um impacto negativo acentuado, abalando a confiança do mercado e daqueles que fazem um trabalho sério. Cientes disso, entidades como a CVM e a ANBIMA começaram a elaborar regras especificas voltadas para essa área.
A ANBIMA é uma associação privada que exerce um papel autorregulador dos mercados financeiro e de capitais: suas regras vinculam apenas aqueles que aderem voluntariamente a elas – mas isso inclui boa parte dos bancos, gestoras de recursos e corretoras que atuam no mercado brasileiro. Assim, as “Regras e Procedimentos para a Contratação de Influenciadores Digitais” da ANBIMA, que entraram em vigor em novembro de 2023, acabarão fazendo parte da rotina daqueles que fazem publicidade para instituições financeiras.
O foco das Regras da ANBIMA é a transparência. Portanto, as instituições aderentes se obrigam a:
- seguir uma série de normas de conduta na contratação de influenciadores financeiros, que incluem a obrigação de exigir que o influenciador explicite, de forma clara, que ele está fazendo publicidade de produtos de investimento;
- monitorar a conduta do influenciador, de forma a garantir o cumprimento do que for previsto no contrato e nas normas aplicáveis;
- verificar se o influenciador possui as certificações e autorizações exigidas pela regulamentação vigente.
A CVM, por sua vez, é uma agência reguladora criada por lei, cujas normas possuem alcance geral. Portanto, ela pode elaborar regras a serem cumpridas diretamente pelos finfluencers, incluindo sanções para aqueles que as violarem.
A CVM, no entanto, ainda está um passo atrás na normatização.
No final de 2023, ela divulgou um Edital de Consulta Pública, no qual discute alternativas regulatórias e solicita contribuições. As preocupações centrais apresentadas pela CVM são três:
- estabelecer regras de conduta para a contratação de influenciadores digitais que promovam produtos financeiros, sobretudo para assegurar transparência;
- adequar suas regras à realidade da promoção de produtos financeiros por meio de plataformas digitais; e
- definir o tratamento regulatório aplicável aos influenciadores que atuem como analistas de valores mobiliários (que é uma atividade regulada que só deveria ser exercida por profissionais devidamente autorizados pela CVM).
Ao contrário do que costuma fazer em consultas públicas desse tipo, desta vez a CVM não apresentou uma minuta de Resolução, optando por colocar uma série de questões mais conceituais sobre os caminhos que deve seguir, o que indica uma abertura para desenvolver em conjunto com o mercado o melhor modelo para o futuro. Em outras palavras, a CVM parece ter decidido que precisa regulamentar o setor, mas ainda está avaliando qual a melhor forma de fazê-lo.
Essa é, portanto, uma oportunidade única para aqueles que atuam no meio de ajudar a construir um sistema que proteja os bons profissionais e responsabilize os mal-intencionados, sem engessar um mercado que, pela sua própria natureza, é extremamente dinâmico.
É fundamental que finfluencers, seus agentes, publicitários que atuam na área e outros atores do mercado participem desse debate, entendam os modelos que estão sendo discutidos e ofereçam suas contribuições. Sem a participação dos principais atingidos pelas futuras normas, logicamente, teremos diretrizes pouco efetivas, que podem causar mais problemas que soluções.
Parece inevitável que o mundo dos influenciadores e o mundo do Direito se aproximem, mas a natureza dessa relação ainda está para ser definida. Que tal fazer parte deste momento, desta definição?
* Paulo Duarte é Sócio do Escritório Stocche Forbes e Influenciador Digital
* Eduardo Pereira é Sócio do Escritório Stocche Forbes – mercado financeiro e de capitais
COMPARTILHAR ESSE POST