Nem todos sabem, mas “CrossFit” é uma marca registrada pela empresa americana CrossFit Incorporation, onde que os boxes só podem usar esse nome mediante pagamento de royalties. Esta é uma forma de seus idealizadores manterem o padrão da modalidade, uma vez que isso exige que os locais sigam rígidas métricas de espaço, equipamentos e metodologia, além dos Coaches serem regularmente habilitados e constantemente treinados.
O Brasil, até junho de 2020, era o segundo país com mais boxes licenciados no mundo (950 unidades*) e a CrossFit Inc., em 2019, lucrou no país quase R$ 15 milhões apenas em royalties.
Além disso, eles faturam com os cursos, patrocínios, eventos e licenciamento de marca. A Reebok, por exemplo, possui exclusividade e só ela pode incluir o nome CrossFit em seu tênis desenvolvido para a prática deste esporte (modelo Nano).
Existe ainda anualmente o CrossFit Games, uma espécie de “Olimpíadas da modalidade”, onde a grande sacada é que qualquer pessoa matriculada em um box licenciado pode participar das etapas de classificação, o chamado “Open”. Tal ação gera grande repercussão pois todos os praticantes do mundo (independentemente do nível), no mesmo dia, realizam o mesmo treino: cada um buscando seus objetivos e superações individuais. A divulgação desse WOD é um mistério até o dia anterior ao Open e é transmitida mundialmente via streaming, ao Vivo em um grande evento.
Porém, falaremos aqui não apenas da CrossFit Incorporation, mas sim de todo o universo de negócios e emoções que existem intrínsecos na modalidade. Isso nos faz querer trazer a luz como este Modelo de Negócio, sob a ótica do branding, obteve tal sucesso exponencial em pouco mais de duas décadas de existência, gerando milhões em receita com mensalidades, cursos, equipamentos, vestuário, suplementos, acessórios, eventos etc.
Sua proposta de valor entrega algo além de um esporte comum, mas especialmente um estilo de vida, em que os praticantes defendem com suor e sangue (literalmente – em alguns casos).
Vamos tentar entender o porquê da modalidade CrossFit ter se destacado:
1. Não é de hoje que existe uma saturação de modalidades “padrão”, como musculação, futebol, natação e outras – mais do mesmo.
2. Houve um aumento de academias que não incentivam o dia a dia do aluno: “vá e faça você por conta própria”, o que gera um distanciamento, falta de resultados e certo grau de desmotivação para continuidade.
3. Ao contrário, no CrossFit há estímulo diário. Você briga com você mesmo e sua zona de conforto é chacoalhada pelos Coaches e colegas do Box.
4. Os Coaches passam por constantes cursos e testes para mudar de nível e poder dar aula ou mesmo ser um coordenador/gestor, os chamados Head Coaches. Cada nível exige conhecimento e, em especial, tempo de experiência com o esporte. A grosso modo, seria como se os professores fossem “passando de faixa”. Isso garante qualidade e padronização nos treinos.
5. Existe um ambiente de colaboração, onde um ajuda o outro. Os mais avançados buscam sempre motivar os iniciantes. Nota-se que é genuíno (na maioria dos casos), uma vez que o atleta avançado um dia foi iniciante. Essa empatia se perpetua em grande parte dos locais.
6. Os próprios praticantes mais fanáticos defendem a marca denunciando boxes irregulares, quando percebem o uso “pirata” em locais não afiliados, mesmo que isso possa impactar no mercado da região. Ao mesmo tempo, estes locais considerados “tipo CrossFit” fomentam a modalidade paralelamente, potencializando sua pratica e as vendas de produtos essenciais e complementares.
7. Alguns treinos (WOD´s) têm nomes de pessoas, entidades ou situações, que geralmente tiveram alguma notoriedade (por exemplo, heróis do exército americano, bombeiros etc.). Isso busca – e consegue – discretamente incluir mais um fator emocional na modalidade. Quem não se sente feliz em suar a camisa para fazer essa homenagem?
8. Alguns influenciadores digitais (cantores, atores, youtubers etc.) fazem questão de postar em suas redes sociais seus treinos de CrossFit. Tal ação impacta milhões de seguidores/fãs de forma espontânea, gerando um valioso retorno de marca para o CrossFit.
9. Resultados! Nada disso seria sustentável a longo prazo se o CrossFit não cumprisse sua promessa. Os números crescentes de praticantes e boxes não deixam mentir que o espírito do “eu também quero ficar assim” se faz presente e ajuda a manter a chama do CrossFit acessa. Realmente, se bem praticado, com disciplina, respeito aos limites e no tempo certo, os resultados veem.
10. Metodologia dinâmica, cujo objetivo é a diversidade de exercícios para evitar que os alunos fiquem entediados e desistam. Isso mantém a frequência regular, gerando resultados mais expressivos e, consequentemente, maior satisfação.
11. É criada toda uma atmosfera em volta da modalidade para que exista uma comunicação, pensamento e envolvimento em diversos pontos de contato do praticante. Isso constrói relações de apego e desafio.
12. Sentimento de pertencimento: as pessoas sentem-se acolhidas e passam a fazer parte de um Grupo (seja ele específico das aulas, seja ele global de praticantes do esporte). A conexão com outras pessoas traz conforto e segurança.
13. Aplicativos para Check-In, acompanhamento e evolução nos treinos estão disponíveis para aumentar o engajamento e interação entre a comunidade. Além de perfis de “memes” em redes sociais que tornam a experiência de pertencimento divertida.
14. Segundo a pirâmide das necessidades do ser humano desenvolvida pelo psicólogo Abraham Maslow, o CrossFit se encaixa e pode suprir dois patamares relevantes: Social (pertencimento) e Estima (reconhecimento e automestima).
15. A marca CrossFit traz orgulho, é aspiracional e edifica embaixadores.
16. O termo “foi picado pelo bichinho do CrossFit” ilustra grande parte dos praticantes da modalidade. Isso para Branding é extraordinário pois retrata a lealdade de marca em sua essência. A pessoa passará a falar sobre Crossfit, consumirá produtos e serviços que remetam a ele e levará essa bandeira em todos os lugares, tentando convencer outras pessoas a praticar.
CrossFit virou sinônimo de categoria e acreditamos que seu ciclo de vida esteja no auge, chegando na fase de Maturidade. Agora as perguntas que surgem no ar são: O que será feito para manter esse alto nível? | Precisará se reinventar? | Como sustentar esse modelo vencedor?
Enquanto isso: O que fica de lição do CrossFit para que você possa transferir ao seu negócio?
- A estratégia de comunicação deles pode servir de benchmarking para muitos empresários e profissionais de marketing. Imagine ter uma legião de pessoas gratuitamente disseminando e defendendo sua marca aos quatro cantos onde circula, que maravilha seria!
- O storytelling da sua marca deve ser construído cuidadosamente e constantemente reforçado aos seus colaboradores e clientes para haver unicidade na proposta de valor.
- Foque sempre nas pessoas e nos resultados que seu negócio traz ao cliente. Sem engajamento e resultado, nada se mantém a médio e longo prazo.
- Crie mecanismos de interação para que o público se sinta envolvido e fazendo parte do seu produto/serviço/empresa, impulsione o sentimento de pertencer.
- Construa relações profundas que possam enraizar nos envolvidos, passando a fazer parte de seu DNA.
- Uma comunicação integrada, consistente e em harmonia ao seu público é chave para o sucesso.
Melhores práticas são ótimas referências para negócios distintos. Estude-as e adéque-as a sua realidade para “cortar caminhos” e garantir retornos expressivos.
*números de afiliados no Brasil baseado no CrossFit Map em junho/2020.
Por: Guilherme dos Santos Teixeira
É consultor de comunicação, branding e planejamento. Administrador pela ESPM-SP e Pós-Graduado em Gerenciamento de Marketing pelo Insper-SP, com especialização em Inteligência de Mercado (Ibramerc-SP) e Gestão Estratégica de Negócios (FGV-SP).
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