No livro "Design quando todos fazem design" (Editora Unisinos, 2017) o pesquisador italiano Ezio Manzini consolidou mais de 10 anos de pesquisa sobre inovação social com laboratórios ao redor do mundo e propôs que vivemos hoje um momento diferente no campo do design. Segundo Manzini, estamos saindo da era na qual especialistas são os únicos a fazer design de produtos, serviços, interfaces, sistemas, enfim, de tudo que o design pode projetar, para uma era na qual leigos, que ele chama de "designers difusos", também passam a projetar produtos, serviços, interfaces, sistemas e tudo mais que se pode projetar.
Essa invasão de leigos em campos especializados não é exclusividade do design. O cenário de policrises associado à digitalização e plataformização do conhecimento e de ferramentas tem estimulado pessoas sem treinamento formal a ocupar espaços e papéis antes restritos a especialistas. Isso acontece muitas vezes por necessidade das comunidades que precisam de soluções e não têm recursos para contratar, não podem esperar ou não são acolhidas e ouvidas por especialistas. Em outros contextos, como no mundo corporativo, as ferramentas digitais que reduzem a complexidade de determinadas tarefas facilitam a entrada de leigos quando os especialistas são desnecessários, caros ou arrogantes.
Agência de publicidade, relações públicas e conteúdo, escritórios de design e produtoras audiovisuais têm convivido cada vez mais com clientes internalizando o que antes eram suas especialidades. Em micro e pequenas empresas, com frequência os próprios empreendedores assumem a comunicação como "difusos", colocando diretamente a mão na massa. Em grandes e médias empresas, são criados núcleos de especialistas que se hiper especializam na comunicação daquele segmento e marca, as famosas in-houses, ou então espalham-se especialistas por diversos departamentos. Ainda há, embora mais raramente, o fenômeno dos creators que atuam in-house, difusos que aos poucos se tornam especialistas pela trajetória e resultados.
Como Manzini, não vejo isso com maus olhos, mas como parte de uma nova configuração do mercado e da própria sociedade. Os sistemas sociotécnicos da comunicação se complexificaram. As necessidades se multiplicaram. Não há especialista suficiente que dê conta de tudo que precisa ser feito em todas as telas, em todas as marcas, em todas as empresas, para todos os olhos. É natural que certas atividades, antes especializadas, hoje se diluam ao longo de uma cadeia que, aliás, é cada vez menos um encadeamento linear e mais um ecossistema distribuído. A inteligência artificial é só mais um componente de aceleração de algumas mudanças já em curso.
Especialistas ou estudantes se perguntam, então, qual sua função e qual a utilidade de se especializar. O próprio Manzini sugere uma saída. Ele propõe que se olhe para o binômio especialistas e difusos não como uma dicotomia, mas como as pontas de um eixo em torno do qual muitas combinações são possíveis. Nas pontas, há espaço para especialistas (talvez em menor número e mais específicos) e há espaço para os difusos (em maior quantidade, mas também com um nível de superficialidade que vem com a escala e o amadorismo). Mas, acima de tudo, há um vasto e frutífero espaço entre esses dois polos, de convivência, colaboração ensino e aprendizagem entre especialistas e difusos.
Durante décadas, os especialistas da comunicação fizeram seu trabalho PARA outras pessoas; agora, precisam aprender também a fazer COM outras pessoas. Essa é uma dinâmica nova que exige novas competências técnicas e interpessoais, além de espaços de trabalho e processos reformulados. Na publicidade, para dar um exemplo, já vemos cada vez mais projetos usando lógicas de codesign e métodos ágeis e menos criativos-diva trancados semanas em uma sala em busca de lampejos solitários de genialidade. Infelizmente, há mais experiências pontuais do que de fato um novo modelo consagrado.
Ecoando Manzini, lembro que as faculdades de comunicação (e as entidades do mercado) têm um papel central em educar os especialistas das próximas décadas para operar nessa nova dinâmica na qual ora serão chamados a atuar COM outras pessoas, de forma colaborativa e horizontal, ora serão solicitados a atuar PARA outras pessoas, sem eximir-se de suas qualidades de especialistas. Essa ambidestria não deveria ser tomada como automática ou fácil de se aprender. Transitar assim exige uma combinação muito específica de métodos e comportamentos, além, claro, de uma certa experiência prática. Trata-se de um desafio para todos os envolvidos no mundo da comunicação — especialistas e difusos, contratantes e contratados, emissores e receptores. Quando todos fazem comunicação, portanto, a saída é definir de forma realista qual seu lugar, qual sua contribuição e quais suas capacidades de colaboração ao perceber que agora você também é todos.
*Gustavo 'Mini' Bittencourt é Head de Planejamento da DZ Estúdio
COMPARTILHAR ESSE POST