O cientista de dados está morto. E o que as empresas precisam agora são de cientistas de negócio. Isso era o que dizia no título de um post no LinkedIn de um importante profissional da área de dados, que li esses dias. Como assim? Pensei. O cientista de dados não está ainda na sua adolescência (ou infância, dependendo do lugar)? Ignorando uma eventual tentativa de “lacrar” do autor, é inegável que vivemos numa época de constantes mudanças e o que as empresas precisavam ontem não é necessariamente o que elas precisarão amanhã...
Então, será que faz sentido essa nova forma de olhar para o profissional de dados dentro das empresas? O que essa mudança de nome significa exatamente? Primeiro, vamos explorar o que esses dois termos significam. Para Davenport, um cientista de dados é um profissional que cria códigos de programação e os combina com conhecimento estatístico para criar insights a partir de dados. Como essa definição enfatiza, a habilidade mais básica e universal dos cientistas de dados é a capacidade de escrever códigos.
Um cientista de negócio (precisei improvisar uma definição, pois não encontrei uma fonte respeitável) seria um profissional que, baseado em pesquisa científica e orientado para a ação, desenvolve, implementa e avalia ações e estratégias de negócio num mundo impulsionado pelo big data.
Voltando ao “o que as empresas precisam agora são de cientistas de negócio”, o argumento central das pessoas que concordam com essa ideia é que o papel dos dados, num ambiente corporativo, é gerar conhecimento para, no final do dia, beneficiar seus stakeholders como um todo. E ciência de dados parece não capturar bem essa ideia.
Com a ajuda das quatro causas de Aristóteles, que é um framework útil para compreender um fenômeno e definir o que realmente faz com que alguma coisa exista, poderíamos dizer que o termo cientista de dados enfatiza sua causa material, isto é, a matéria-prima do objeto, do que ele é feito (ex., dado estruturado numérico, machine learning etc.). Por outro lado, o termo cientista de negócio seria mais adequado porque a ênfase está na causa final, na finalidade ou motivo pela qual foi criado (ex., aplicação que seleciona clientes que deverão receber um cupom).
Há um outro argumento em tirar o foco dos dados e colocar no negócio: a dificuldade de extrair valor de análises puramente estatísticas, despidas de conhecimento de causa significativo do negócio. Para ilustrar, qual profissional você acha que estaria em melhores condições para tratar um paciente diabético: um especialista em estimar as probabilidades do paciente sentir tontura ou vertigem ao longo de um dia ou um especialista no sistema endócrino humano?
Poucas pessoas diriam que é o primeiro. Fazer previsões precisas é parte fundamental de qualquer processo de tomada de decisão gerencial; porém, sem saber explicá-las, as empresas podem incorrer em ineficiências ou até assumir riscos irreversíveis. Por exemplo, o especialista em previsões poderia julgar que a causa do mal-estar do paciente está na falta de energia e recomendar o aumento do consumo de carboidratos. Até haver dados suficientes para seu modelo preditivo compreender que um erro foi cometido, poderia ser tarde demais.
Por fim, um terceiro e último ponto em favor da mudança de foco de cientista de dados para cientista de negócios são os recentes desenvolvimentos da tecnologia de inteligência artificial generativa, que tem o ChatGPT como seu grande expoente. Isso porque, com o tempo e o aperfeiçoamento dessas tecnologias, os profissionais de dados poderão terceirizar boa parte do desenvolvimento de códigos de manipulação e análise de dados para o ChatGPT e seus pares.
É provável que o profissional de dados do futuro não dependa do Phyton, R ou SQL (softwares de ciência de dados) como depende hoje, liberando seu tempo para compreender sistematicamente o negócio e desenvolver ferramentas para melhorá-lo. Como dizem por aí, o ChatGPT fez da língua portuguesa (e inglesa, espanhola etc.) a “linguagem de programação” mais sexy do momento.
Os dados têm sido chamados de “o petróleo” da economia digital. E de fato eles são. Mas assim como o petróleo, os dados em si não geram valor para seus usuários finais. O que gera é a sua utilização para dar suporte ao desenvolvimento de uma mentalidade científica de geração de conhecimento e orientada para ação. No final das contas, o importante do cientista de dados versus cientista de negócio é ser cientista.
*Rafael Laitano Lionello é Doutor em Marketing pelo PPGA da EA/UFRGS (2020) com período como pesquisador visitante na FEA/USP (2017) e no Mobility Center/EPFL (2020). Mestre em Marketing e Bacharel em Administração de Empresas também pela EA/UFRGS. Atua como professor de graduação e MBA de Escolas de Negócio, Economia e Computação na linha de Marketing Analytics.
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