Em um cenário de constante transformação no marketing e com tantas novas tecnologias disponíveis, profissionais do setor enfrentam um dilema peculiar. De um lado, a fragmentação das ferramentas de martech impõe barreiras à construção de relacionamentos sólidos com os clientes. De outro, a IA generativa – conhecida por ferramentas como o ChatGPT – surge como uma solução promissora, embora sua adoção ainda seja gradual.
Esses dois desafios, profundamente conectados à realidade dos departamentos de marketing, merecem atenção especial, pois superá-los pode gerar uma vantagem competitiva significativa para os negócios. No centro dessa discussão está a confiança, fundamento essencial para relações comerciais duradouras e lucrativas. Não à toa, globalmente, 91% dos profissionais de marketing a reconhecem como um fator crítico para o sucesso das organizações.
Esse insight faz parte do mais recente relatório da Harvard Business Review Analytic Services, apoiado pelo SAS, que analisa como martech e confiança do cliente sempre andam de mãos dadas. E, nos mercados latino-americanos, onde o relacionamento pessoal geralmente precede as transações comerciais, a confiança assume um papel ainda mais estratégico.
América Latina: um mosaico de maturidade digital
Consumidores que confiam em uma marca não apenas continuam comprando seus produtos, mas também compartilham dados valiosos, tornam-se defensores espontâneos da marca e demonstram maior tolerância a falhas ocasionais. Por outro lado, a erosão dessa confiança pode ter consequências devastadoras: além da perda de receita, pode causar danos reputacionais duradouros e reduzir drasticamente o valor da marca, transformando produtos antes diferenciados em commodities facilmente substituíveis.

Paradoxalmente, as mesmas tecnologias criadas para fortalecer o relacionamento com os clientes podem acabar minando a confiança que pretendem construir. Imagine um consumidor que recebe um e-mail com uma oferta, depois uma notificação push com outra promoção e, ao acessar o site para comprar, descobre uma terceira condição – ou pior, nenhuma oferta válida. A fragmentação das soluções de marketing gera essas experiências desconectadas, e a IA pode amplificar esse problema quando implementada de forma isolada, sugerindo ao cliente que a marca, na prática, não o conhece.
Essas inconsistências são consideradas um ameaça à confiança por 31% dos respondentes, que pode ser agravada por um atendimento inadequado (30%) e por mensagens desalinhadas às necessidades do cliente (30%). Porém, este é o panorama atual do martech, sendo ainda mais evidente na América Latina, onde os padrões de adoção tecnológica variam.
Ao analisar a região, observamos contrastes interessantes. O Brasil despontou como líder na implementação de soluções de martech, estabelecendo padrões que outros mercados, como o México, adotaram posteriormente – a exemplo da comunicação em tempo real. Já no uso de canais digitais, o México assumiu a dianteira, contando com casos ainda inexplorados no Brasil. Essas variações refletem não apenas as diferenças culturais e econômicas, mas também a não-linearidade da adoção tecnológica na região.
Desafios e oportunidades
A realidade de muitos profissionais de marketing é lidar com diversas ferramentas que não se integram. No mundo todo, o grande desafio não é apenas ter acesso a essas soluções, mas orquestrá-las de maneira eficiente para fortalecer a confiança dos clientes.
Além disso, cresce a expectativa dos consumidores por experiências hiperpersonalizadas. A maioria das empresas, no entanto, não está preparada para entregar esse nível de personalização devido à fragmentação tecnológica, que gera uma visão segmentada do cliente, muitas vezes irrelevante.

Outro fator essencial no marketing é o timing da interação. Se a marca perder o momento certo para se comunicar individualmente com o cliente, sua mensagem se torna irrelevante. Esse desafio está diretamente ligado ao acesso a dados em tempo real, apontado como um obstáculo por 29% dos respondentes. Mais do que apenas capturar informações do cliente, é preciso processá-las instantaneamente e utilizá-las como contexto para interações precisas. Esse é um salto que muitas empresas, especialmente na América Latina, ainda não conseguiram dar.
É nesse cenário, já complexo, que entra a adoção da inteligência artificial generativa. Segundo o relatório da Harvard Business Review Analytic Services a tecnologia demonstra potencial na segmentação de públicos, criação de conteúdo personalizado e outras funções estratégicas. O fato de 74% dos entrevistados acreditarem que a GenAI pode aprimorar suas estruturas tecnológicas reforça esse apelo. No entanto, apenas 13% implementaram a tecnologia de forma completa, enquanto 45% ainda estão em fase de testes.
Vale destacar que a adoção da IA cresce mais rapidamente quando impulsiona a eficiência operacional. Vemos exemplos bem-sucedidos, como assistentes virtuais para suporte ao cliente (adotados por 36% dos usuários de GenAI), segmentação de público por linguagem natural, testes A/B para e-mails e a criação de conteúdos com curadoria estratégica.
Para avançar nas estratégias de martech com IA, profissionais devem lembrar que não precisam se tornar especialistas em large language models (LLMs). O essencial é compreender as limitações da tecnologia e estruturar boas práticas de governança. Se a equipe souber formular prompts eficazes e aplicar a IA corretamente, a escalabilidade do uso se torna uma vantagem competitiva.
De fato, a visão de uma jornada do cliente totalmente orquestrada em tempo real – o estado da arte do martech – ainda está distante para a maioria das organizações. O desafio reside no mix de tecnologias e nas limitações de integração. No entanto, há avanços perceptíveis. Soluções de real-time decisioning, que no passado eram de adoção complexa, hoje são mais compreendidas e valorizadas pelas empresas.
Caminhando para uma implementação pragmática
Para superar os desafios do martech e fortalecer a confiança dos clientes, recomendo uma abordagem pragmática baseada em quatro pilares:
Foque na evolução, não revolução – Aproveite as tecnologias disponíveis, mas agregue capacidades de martech que levem seu negócio ao próximo nível. A solução não está em substituir tudo, mas em integrar melhor;
Repense as CDPs – Muitas CDPs (Customer Data Platforms) focam na experiência digital do cliente, sem explorar totalmente seus dados, incluindo dados históricos e transações. O ideal é contar com tecnologias que complementem o portfólio existente;
Busque acesso a dados sem migração – CDPs tradicionais exigem que as empresas centralizem dados dentro delas, o que pode ser demorado. Busque soluções que permitam conexão direta aos dados, sem necessidade de migração;
Garanta uma orquestração holística – O segredo está em unificar dados de diferentes fontes, sejam históricos ou em tempo real, garantindo uma experiência fluida e coerente para o cliente.
Apesar dos desafios, a combinação de martech e IA generativa permite que equipes trabalhem com responsabilidade no gerenciamento de dados dos clientes, oferecendo informações contextualizadas, promoções oportunas e suporte ágil – somente quando bem implementadas.
O caminho está no equilíbrio entre a experimentação de novas tecnologias e a orquestração eficiente das ferramentas existentes. Neste contexto, a IA pode ser uma grande aliada para superar a fragmentação e transformar a experiência do cliente. Assim, as organizações poderão manter ou reconquistar a confiança do seu público, oferecendo interações verdadeiramente personalizadas e relevantes.
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