A área de tecnologia foi permeada, ao longo dos anos, por figuras femininas que remodelaram a história. Os exemplos mais famosos são certamente Ada Lovelace, que pensou no processamento de informações antes dos computadores sequer existirem, e Mary Jackson, primeira mulher negra engenheira da Nasa, que teve sua trajetória contada no filme Estrelas Além do Tempo.
Mas, se eu pedir para você citar mulheres que estão fazendo a diferença na tecnologia hoje, é provável que seja difícil pensar em muitos nomes. Quem são as líderes que guiam o mercado atual? Deveriam ser inúmeras, considerando que, desde Ada, passaram-se quase 200 anos. Mas não é o caso.
De acordo com a pesquisa Women in Technology, apenas 28% dos cargos das áreas de tecnologia no mundo são ocupados por mulheres. Já um estudo feito pela Statista relata que, das posições de gestão, apenas 22,5% são femininas. Ocorreu um aumento de 10% entre 2015 e 2021, o que é ótimo, mas ainda é um número e uma velocidade muito baixas. O próprio Women in Tech afirma que, no ritmo em que estamos, ainda levaríamos mais de 132 anos para alcançar a equidade de gênero — isso supondo um avanço linear, o que dificilmente acontece.
Tudo isso explica porque liderar, sendo mulher, é um desafio próprio. Eu estive e estou nesse papel e, apesar de ter aprendido muitas maneiras de driblar os percalços desse caminho, ainda existem complicações constantes que surgem do modo como a sociedade foi formada até agora.
Para começar, a liderança traz certo nível de pressão e de expectativas, que se tornam ainda mais particulares para as mulheres, especialmente na tecnologia, visto que é um setor com maioria masculina.
Eu tenho meu estilo de liderança, e ao longo do caminho ouvi muita coisa: que eu deveria ser mais permissiva aqui, ou mais firme lá; que deveria seguir um modelo “maternal” e me aproximar mais; ou que deveria seguir os exemplos masculinos da área. Todos esses “deveria” me colocavam em um padrão esperado de uma liderança feminina.
A verdade é que o que torna uma pessoa líder, seja homem ou mulher, costuma partir dos mesmos princípios. São motivações, ambições e receios semelhantes, e isso foi comprovado em um estudo do Insper com a consultoria Robert Half. Então por que é que as pessoas querem ditar quais atitudes são ideais ou não para as mulheres? Por que reagem de maneiras diferentes quando suas expectativas não são alcançadas por um líder ou por outro?
Há diversas questões culturais envolvidas nesse problema. Vivemos em uma sociedade estruturada de determinada forma, e várias áreas de negócio continuam seguindo padrões antigos. É realmente muito difícil mudar, porque agimos por pura reprodução de comportamento. Nesta trajetória, até chegar onde eu estou, tive que estudar e entender o contexto que as mulheres se encontram para não me limitar ao que os outros esperavam que eu fosse ou cair em uma síndrome da impostora, e então atuar com mais força ainda no meu posicionamento para administrar situações em que a minha liderança era questionada.
Eu vi situações em que a expectativa é que a liderança feminina se aproximasse mais, que tivesse um cuidado e atenção com a pessoa liderada além do contexto profissional. Isso seria esperado se eu fosse um homem? O meu modo de liderar seria considerado distante, ou seria o adequado? Ao olhar para líderes masculinos na minha área e com atitudes similares, já tenho a resposta. Queriam que eu fosse mulher dentro do que foi convencionado como mulher nesse tipo de papel: mais mãe do que dirigente.
Por outro lado, já conheci mulheres que se contorceram para reproduzir comportamentos convencionados como masculinos, não porque queriam e mas sim porque viam a repetição desses estereótipos como a única maneira de crescer ou mesmo sobreviver em suas posições.
Hoje, estou à frente de uma empresa com forte atuação em tecnologia, com 70% de lideranças femininas e um quadro geral de colaboradores composto em 68% por mulheres. Eu sei, na prática, o quanto é possível alcançar com uma equipe diversificada e cujo gênero não é nenhum impeditivo para competência.
A igualdade de gênero no mundo corporativo, tanto na área de tecnologia quanto em todo o mercado de trabalho, é um processo lento. Precisamos acelerar, certamente, mas para isso é imprescindível que a atuação de cada companhia e cada indivíduo gere impacto. É um trabalho de formiguinha, mas cada um faz sua parte, a mudança acontece.
*Adriana Campos é formada pela ESPM em Publicidade com ênfase em Marketing, e em Big Data e Creativity and Leadership pela Universidade de Stanford, é fundadora e CEO da Adtail, uma das principais agências full service de marketing digital de performance do Brasil.
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